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XXII
um dia todas as nuvens caíram como rochas no chão . Em
vez de voar leves e silenciosas, faziam agora um ruído atroz
ao arrastarem-se pelos caminhos e roçarem nas casas,
parecendo enormes caracóis por largarem, atrás de si, uma
longa baba líquida.
Desde que as nuvens caíram no chão, as pessoas deixaram
de lhes procurar os rostos e as formas, afastando-se delas
por parecerem repugnantes, envoltas na agonia por terem
perdido a licença de voar. Assim passaram de coisas belas
e límpidas, a coisas atrozes, sujas pelo lixo do chão , envoltas
numa papa corporal, fazendo lembrar, em vez de castelos
translúcidos a pairar no ar, enormes aglomerados de lama e
rochas cinzentas.
Com o tempo , entre os humanos inventaram-se novas
profissões como, por exemplo, os pedreiros de nuvens, que
retiravam os minérios líquidos do seu interior; os limpadores
de nuvens, etc. Graças a estas e muitas outras profissões
inventadas, as nuvens foram instantaneamente consumidas,
até que desapareceram para sempre. Depois, foi a vez dos
pássaros caírem como rochas no chão.
Carlos Vaz In "o estrangulador de bonecos de neve", Editora Labirinto,
Fafe, 2009, p 35.
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