06/11/09

"sob a luz recíproca, como se pudéssemos"

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" O sonho de Santa Úrsula"
(Carpaccio)


Disse-te que não seria capaz de escrever
um poema de amor.

Como representar a luz quando essa luz
é o véu que recobre o sonho de outrém?

Assim é aquilo que a palavra amor diz,
aponta, descreve em seu secreto centro.

Íntimo lugar onde um anjo se abeira
da tua morte, da minha morte, e nos enlaça

sob a luz recíproca, como se pudéssemos
sonhar, ambos, o mesmo sonho, a mesma dor,

o mesmo movimento, lento e obscuro,
de um deus frágil e atento.

Seríamos o imaginado centro
desta sala, deste limiar, deste medo

que o anjo diz sem dizer, que o anjo
persegue sem sinal de perseguição sequer.

Algo se diz, inapelável, atrás
do umbral que não vemos.

Luís Quintais In "Duelo", Edições Cotovia, Lisboa, 2004, p 32.
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