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" O sonho de Santa Úrsula"
(Carpaccio)
Disse-te que não seria capaz de escrever
um poema de amor.
Como representar a luz quando essa luz
é o véu que recobre o sonho de outrém?
Assim é aquilo que a palavra amor diz,
aponta, descreve em seu secreto centro.
Íntimo lugar onde um anjo se abeira
da tua morte, da minha morte, e nos enlaça
sob a luz recíproca, como se pudéssemos
sonhar, ambos, o mesmo sonho, a mesma dor,
o mesmo movimento, lento e obscuro,
de um deus frágil e atento.
Seríamos o imaginado centro
desta sala, deste limiar, deste medo
que o anjo diz sem dizer, que o anjo
persegue sem sinal de perseguição sequer.
Algo se diz, inapelável, atrás
do umbral que não vemos.
Luís Quintais In "Duelo", Edições Cotovia, Lisboa, 2004, p 32.
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