O que encontramos na condição ou disposição depressiva é a desistência dos interesses próprios (egoístas) em favor da manutenção do amor do objecto.
O que não é o mesmo - entenda-se bem - que o altruísmo ou o amor desinteressado do objecto. O depressivo ama para ser amado e admirado, pois que é pobre em sentimentos de auto-estima e autovalorização (a não ser quando intervém a defesa maníaca e emerge uma auto-imagem de grandiosidade). No verdadeiro altruísmo o indivíduo ama os outros porque tem capacidade de amar; na condição depressiva, por dependência afectiva - porque precisa do amor do outro.
Existem também certas diferenças com o masoquismo, embora este seja uma situação próxima e frequentemente entrelaçada com a depressão. No masoquismo o indivíduo vai mais longe: sofre (na relação com o objecto) para ter jus a ser amado, captar e manter o amor (do objecto) e ser admirado pela sua capacidade de sacrifício e sofrimento, ao mesmo tempo que sabe (em regra inconscientemente) estar a satisfazer a necessidade sádica do objecto, e com isso segurá-lo; mas, enquanto no masoquismo a relação de complementaridade do indivíduo com o objecto se processa na base da satisfação do sadismo do outro, na depressividade faz-se na base da satisfação do narcisismo do objecto.
A depressão e a defesa maníaca (o Self grandioso, megalómano; a negação da melancolia) andam em regra associadas. E, assim, as personalidades depressivas (não propriamente as pessoas que estão deprimidas - que manifestam o sintoma de abatimento e tristeza -, mas sim os indivíduos que são depressivos que têm tendência a deprimir-se) apreciam não só poder queixar-se, quando encontram ressonância no ouvinte ou ouvintes (...) como também poder exibir algumas facetas da sua grandiosidade, que o interlocutor admire e aclame (o que tempera ou alivia o seu afecto depressivo). Mas esta última atitude - exibicionista (e de passividade do Eu) - em nada modifica a estrutura depressiva; apenas aligeira o peso do sentimento de não realização.
Na sua conduta diária, estes indivíduos repetem a relação, primária de objecto - em que foram amados na desgraça (no desamparo, na indefesa e na doença), por pena ou piedade, e admirados nas qualidades que interessavam ao objecto; e não, propriamente, aceites nas realizações autónomas e que lhes davam prazer a eles mesmos. Isto é: organizaram uma relação de objecto (a qual define a estrutura depressiva) na esteira de não terem sido considerados como sujeitos de um autêntico ser, com uma verdadeira identidade: mas sim objectos de desejos (...) dos seus próprios objectos: o paradigma é a mãe que investe narcisicamente o filho.
A saída desta condição depressiva faz-se - no curso da análise - pela luta contra o introjecto (objecto interno) externalizado no analista. Objecto-analista que, não destruído pela agressividade do analisando, será reintrojectado como objecto seguro, sólido e efectiva e efectivamente bom: e, precisamente por isso, tolerante, aberto e estimulante: que aprecia e mesmo solicita o desenvolvimento e realização livres e específicos do próprio. E com esta mudança se salda a cura analítica do depressivo: pela autonomia, e não pela cópia de mais um modelo.
(...) Por aqui vemos, também, que o tratamento analítico do depressivo passa pela transposição da passividade para a actividade; o que comporta certos riscos - quase inevitáveis - de passagem ao acto em transferência lateral. E o psicanalista que aceita ocupar-se de um doente narcísico terá de saber e poder suportar que se expõe, ou irá sofrer, certos incómodos relacionados com as reacções da entourage do analisando a vicissitudes do seu comportamento, nem sempre agradáveis (...).
O sentimento de falha e o medo de falhar, o sentimento de incapacidade, é um dos mais característicos nas pessoas depressivas; sentimento, não só ligado com o defeito do Eu, como também com a exigência do Ideal do Eu; e sentimento que se agrava em condições de existência excessivamente competitivas. Aqui se aponta, então, para as causas originais e de manutenção da disposição depressiva - a depressão sendo, como Edward Bibring o afirmou em 1953, o efeito da paralisia do Eu " porque se descobre incapaz de fazer face ao perigo", enquanto a ansiedade ou angústia é um sinal que mobiliza o Eu para o combate ou fuga.
Matos, António Coimbra de. A Depressão. Lisboa: Climepsi Editores, 2007, pp 41 - 43.
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