09/07/12

" Por aqui se deduz que o estado neuroquímico é influenciado pelas próprias decisões da pessoa... "


  A síndrome depressiva está em princípio determinada pela interacção de factores genéticos e ambientais, mais ou menos isolados, mais ou menos formando uma constelação ou associação. Existe frequentemente um factor genético de vulnerabilidade, o que permite afirmar que em certo sentido todas as depressões são endógenas, embora, na sua maioria, sejam endógenas impuras. Esta observação tem o seu contraponto: as depressões endógenas estritas ou puras são muitas vezes mobilizadas ou precipitadas por estímulos stressantes.
No que se refere à identidade do facto etiológico ou causal fundamental, estabeleci - inspirando-me no sistema nosográfico do psiquiatra suiço Eugen Bleuler - a sectorização do círculo sindromático depressivo nestas quatro unidades nosológicas ou categorias de doença: a depressão endógena, a depressão situativa, a depressão psicógena e a depressão somatógena. Cada uma delas define-se em função da sua causa fundamental (Depressão endógena ou genética/ hereditariedade; depressão  psicógena ou neurótica/ conflito intrapsíquico; depressão situativa ou sociógena/ situação na vida; depressão somatógena/ transtorno corporal ). 
  É frequente a intervenção de uma causalidade mista, o que permite falar por exemplo de depressão endo-situativa e de modalidades análogas.
   Na origem de cada depressão, terá sempre de se contar com a possível intervenção dos quatro sistemas: o genoma, a situação de vida, o estado psíquico e o estado somático (...)
   A chave unitária da síndrome vital depressiva reside na patogenia da depressão. As quatro espécies de causas que distinguimos convergem na produção de um profundo desequilíbrio do substrato cerebral da vitalidade, que se encontra nos núcleos hipotalâmicos, em especial nos núcleos supraquiasmáticos do hipotálamo anterior, na proximidade da epífise (...)
  Trata-se de um mecanismo patogénico de dinâmica muito rica, que, uma vez iniciado por um distúrbio neuroquímico dos neurotransmissores ao nível hipotalâmico, se propaga em cascata como um distúrbio neuroendócrino múltiplo e um decréscimo da actividade do sitema neuroimunológico, e culmina num distúrbio neurofisiológico que altera a estrutura e a função de grupos de neurónios situados em pontos estratégicos do cérebro.
(...) o cérebro é um sistema químico dotado de ampla abertura. A conduta humana organiza-se dentro de uma espécie de laboratório químico cerebral de extraordinária complexidade, cuja regulação é partilhada pelos genes, as condições ambientais, as vivências e o funcionamento do organismo. Por aqui se deduz que o estado neuroquímico é influenciado pelas próprias decisões da pessoa, confirmando-se neste ponto de vista o nosso grande potencial de liberdade como um património específico do ser humano.

  Alonzo-Fernández, Francisco. As quatro dimensões do doente depressivo. Lisboa: Gradiva, 2010, pp 89 - 91.
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