" Do desejo "
Onde porei meus olhos que não veja
A causa, donde nasce meu tormento?
A que parte irei co pensamento
Que pera descansar parte me seja?
Já sei como s'engana quem deseja,
Em vão amor firme contentamento,
De que, nos gostos seus, que são de vento,
Sempre falta seu bem, seu mal sobeja.
Mas inda, sobre claro desengano,
Assim me traz est'alma sosigada,
Que dele está pendendo o meu desejo;
E vou de dia em dia, de ano em ano,
Após um não sei quê, após um nada,
Que, quanto mais me chego, menos vejo.
Diogo Bernardes (1520 ou 1530? - 1605).