09/05/10

A Igreja Latina, o conservadorismo, a vida concreta dos homens, aqueles que há muito vão ousando e ...

As classes dominantes em sua estratégia hegemónica procurarão incorporar a Igreja a serviço da ampliação, consolidação e legitimação de sua dominação, especialmente para conseguir a aceitação da hegemonia por todos os indivíduos e grupos sociais. O campo religioso-eclesiástico é fortemente pressionado a se organizar de tal forma que se ajuste aos interesses das classes hegemónicas mediante vários tipos de estratégias econômicas, jurídico-políticas, culturais e até repressivas. A Igreja desempenha então a função conservadora e legitimadora do bloco histórico imperante.
Entretanto não é fatal que a Igreja se componha com o bloco histórico hegemónico. As classes subalternas solicitam, por sua vez, a Igreja em sua estratégia por mais poder e autonomia em face das dominações que sofrem. A Igreja pode secundar e justificar a ruptura do bloco histórico e prestar-se a um serviço revolucionário. Os fiéis estão presentes tanto de um lado quanto do outro; a Igreja á atravessada, inevitavelmente, pelos conflitos de classe e pode assumir uma eventual função revolucionária quanto uma função fortalecedora do bloco hegemônico. Estas duas possibilidades não são objecto de golpes de vontade ou opções que alguém pode ad libitum tomar. Depende do tipo de articulação que no processo histórico-social o campo religioso-eclesiástico estabeleceu com as várias classes. Pode ocorrer que no processo referido a Igreja lentamente reproduziu em seu corpo a estrutura do bloco hegemônico. O campo religioso-eclesiástico se estrutura também de forma dissimétrica, espelhando destarte o campo social hegemônico. Evidentemente não se trata de uma reprodução mecânica, porque fica sempre preservada a autonomia relativa do campo religioso-eclesiástico. Dizendo que é relativamente autônomo, afirmamos que não é totalmente determinado pelo campo social mas nem totalmente independente ; ele, a partir de sua especificidade irredutível (a experiência cristã, sua expressão objectiva em discursos e práticas, seu carácter institucional pelo qual se reproduz, conserva, difunde, particularmente, mediante um corpo de peritos e hierarcas), imediatamente e retrabalha as influências sociais.
Vejamos, rapidamente, como a Igreja se articulou ora com o bloco hegemónico ora com as classes subalternas. Um modo de produção dissimétrico que foi lentamente tomando conta de uma formação social, impondo-se um processo de expropriação dos meios de produção material e simbólica, acabou predominando também dentro da Igreja: criou-se (...) um processo de expropriação dos meios de produção religiosa por parte do clero contra o povo cristão. Primitivamente o povo cristão participava do poder da Igreja, nas decisões, na eleição dos seus ministros; depois começou a ser apenas consultado e por fim, em termos de poder, totalmente marginalizado e expropriado de uma capacidade que detinha (...) Criou-se um corpo de funcionários e peritos encarregados de atender o interesse religioso de todos mediante a produção exclusiva por eles de bens simbólicos a serem consumidos pelo povo agora expropriado.
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Leonardo Boff in "Igreja: Carisma e Poder", Editora Ática, São Paulo, 1994, pp 190 - 191.
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