18/08/11

Acerca de ... ( V )

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Começo por felicitar a Editorial Labirinto pela iniciativa de publicar
este belo livro de poesia da autoria do poeta Victor Oliveira Mateus
trazendo até nós, deste modo, o irresistível canto de sereia de Angélica
Ionatos, consubstanciado nas palavras inspiradas do poeta.

Nesta obra damo-nos conta da feliz união da voz da cantora grega com
a palavra mágica do poeta Victor Oliveira Mateus, que parte em deman-
da da ilha encantada de Citera onde, supostamente, a dourada Afrodite
o aguardará com os seus mistérios. A voz é aqui a criatura e a escrita,
o mineral de que se faz o sonho e o pensamento. O poder e o estatuto
da voz é também propriedade do poeta, que sujeita o seu texto ao po-
der dessa mesma voz, o local de partida é incerto, mas o de chegada é
a outra margem do mar, é Citera; a intenção é clara: " um roteiro reve-
lando novos mares, outros países para que neles possa partir e não mais
voltar". É, portanto, uma viagem sem regresso.

O tema da viagem, do périplo e da ilha, glosado por poetas da grandeza
de Yeats e Cavafy, adquire na obra de Victor Oliveira Mateus contornos
que remetem para os níveis mais profundos do significado: a margem da
distância, do sono, do crepúsculo e da morte. Tal como nos antigos
immrama celtas, o poeta demanda uma ilha misteriosa e secreta, e rea-
liza, no seu périplo, um intenso percurso interior. O poeta sabe que esse
local procurado se encontra " para lá do vazio e da felicidade imitada",
mas quando arriba a Citera escreve: "finalmente alcançada com o teu
braço sobre os meus ombros" e, explodindo depois num delírio de sen-
timento: é em ti que me renovo, Citera.

Tal como acontece na viagem de Cavafy para Ítaca, Victor Oliveira Ma-
teus busca e encontra na sua ilha vivências e saberes. Sente o corpo e o
espírito permanentemente tomados por uma excitação rara, que contagia
quem lê a sua poesia. Chegar a Citera é um destino último. Sem Citera
nunca teria partido em busca dos segredos da vida e da morte. Compreen-
der o verdadeiro sentido de Citera é meta final da obra. A viagem é lon-
ga, aventurosa, cheia de perigos e enganos. Mas se monstros encontra-
mos é porque em nossa alma os transportamos. Serão essas "as ilhas
humanas" a que o poeta faz alusão?

Chegados a este ponto já estamos a caminho, e em peregrinação para
um não-lugar. Com o poeta vamos "esquecer o que a realidade foi e assim
construir o que ninguém alcançou". Mais adiante confessa-nos: " do que
mais gosto é do que nelas não há".

O poeta transmutou-se em veículo de Amor e de Poesia, ainda que sem-
pre sob o temor " de que possas não vir", porque ele sabe, ele já conhece
"o amor vivido e o amor buscado de que ele é cópia "; Platão também acre-
ditava que o verdadeiro Amor é afinal o amor à Sabedoria, sendo o desejo
cego um mero impulso, na infinda avidez de ser o outro.
A poesia de Victor Oliveira Mateus é portanto, ela mesma, uma irresistível
voz, prenhe de significados, até à eternização final de tudo o que fica: a obra
poética, na particular paisagem pessoal do poeta, em todas as suas modula-
ções e excentricidades ocasionais.

  Maria Lucília Meleiro, texto de apresentação do livro
" A Irresistível Voz de Ionatos", Lisboa, 31 de Março de 2009.
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