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Estava fora do país quando o Victor, de quem tenho a honra e o privilégio
de ser amigo, me pediu para fazer a apresentação de "Regresso", tendo-me
enviado por e-mail os poemas e a eles juntado umas simpáticas linhas nas
quais indicava ser de sua vontade que eu estivesse hoje aqui a falar sobre
o referido livro.
Nem queria acreditar! Pensei que se tratasse de um engano.
O que levaria um poeta com a qualidade e o vigor do Victor a pedir-me que
falasse da sua poesia e dos seus poemas?
Geralmente a tarefa de apresentação de obras poéticas é indicada a quem
sabe e estuda poesia e não a quem vive e ama a poesia, aludindo-a como
livre e longe, epítetos capazes de compreender a existência humana:
Longe na distância que separa o poeta dos outros, de uma sociedade que
ajuda a construir, mas da qual se afasta por amor e, muitas vezes, por lágrimas;
Livre, porque há no poeta a certeza de tocar as consciências futuras, cons-
truir sedosos caminhos sem barreiras, permanecendo quieto, devolvendo o
movimento à ignorada beleza das palavras.
Aceitei o desafio! Aqui estou, agradecendo ao Victor este convite, felicitan-
do-o pelos poemas e a todos pedindo desculpa e compreensão para as
fracas e poucas palavras que posso e sei dizer sobre "Regresso".
A poesia, não é recordação, é uma presença feminina importante, o contrá-
rio do poeta, por isso ele próprio - o lado mais visível da saudade!
Com a poesia - e através do poema - aprende-se a Humanidade, o desejo
e a sua lei, a entrega, o abandono, o convívio com o abraço que nos não
quer, mas ao qual desejamos sempre regressar... Aprende-se a ser devol-
vido, constantemente, ao amor da infância, à posse dos lábios detidos na
memória e no medo. A vida passa a ser feita de ilusões, de actuais e an-
tigos sentimentos, de uma troca amorosa constante, de rios doces e ocea-
nos salgados, de permanecermos e de partirmos... sempre.
REGRESSEI a Lisboa, contactei o Victor que me confirmou a vontade
verdadeira que fosse eu a falar do seu livro de poemas. Infelizmente tive
de o ler em folhas de papel, soltas... o livro físico ainda não existia!
REGRESSO - esta é a primeira pessoa do Presente do Indicativo de ver-
bo "regressar"? Ou não será antes um substantivo? Encontraremos, neste
livro, substâncias psicológicas ou momentos de uma dada acção? Deixo
aqui estas interrogações como base de possíveis linhas de leitura!
A competência da poeticidade de "Regresso" declara o reflexo intelectual
na vivência dos dias. Os poemas afirmam-se num corpo, no mundo rece-
bido através dos sentidos.
A poesia de Victor Oliveira Mateus ensina-nos o poema como semente
aquecida no coração da memória, resgatada pela alma, oferecida e alimen-
tada pelo corpo. Comovem-me as palavras, as letras, a ética do poema
e o que me traz aqui também são as imagens de Turim, que tenho gravadas
na memória e que neste conjunto de poemas redescobri: no leito do rio Pó,
na Praça San Carlo, na Diagonal que corta a cidade ou na via Roma... Em
tempos vivi em Turim, onde leccionei, agora regressei-lhe pela voz de um
sujeito poético habitado pela cidade, pelos destinos de sombras imacula-
das, de noites perpétuas e artificiais, de paisagens inabitadas, de lugares
vazios de lembrança, de caminhos frios e ininteligíveis, de espaços de aban-
donos prometidos, de largos, praças esquecidas, palácios-museus, de es-
pectros estranhos, de uma lívida imagem presente, de mosteiros e conven-
tos, abadias de morrer, de silêncios no silêncio, de braços imateriais...
A memória persegue o sujeito do poema, nela, este procura a unicidade
na extravagância das diferenças, da mesma forma que essa Itália unida
e transformada em nação por Vitorio Emanuel e Garibaldi, se mantém
diversa nas suas culturas, línguas, modos de ser... O indivíduo busca a sua
singularidade, deparando-se com a multiplicidade, deparando-se com
esse ser muitos a regressar ao mesmo! Nesta condição, poema, poesia
e poeta transportam, nas mesmas águas, um não sei quê de estar ali
não estando, sendo o oposto também verdadeiro. Assim, creio que existe,
em "Regresso", um persistente fio condutor que é, afinal, a grande preocu-
pação do autor, latente em toda a obra - a questão da busca total do sen-
tido da Vida, e isto com uma visão intensamente envolvente, porque cor-
poral, espiritual e mental.
Regressar não é voltar a um local, nem mesmo a um estado de alma, ou
revisitar sensações (o sujeito da enunciação dá-se conta da completa im-
possibilidade de regresso a um tempo pretérito!), regressar é tornar futuro
o já passado, tentando que este se espelhe no presente! Regressar é o
movimento que tenta contrariar a insofismável verdade da inexistência do
tempo; esta tentativa de demonstrar a inexistência do tempo, que a língua
teima em marcar... : faz-nos voltar de novo onde o pretérito já foi e será
(também) futuro! O regresso é também um movimento filosófico cheio de
novidade, curiosidade, mobilidade psicológica - Vida! De tanto regressar-
mos construímos a nossa própria história, a consciência, a saudade. Assim,
se constantemente soubermos regressar, adiamos a morte! Pois voltarmos
aos braços, e lábios, de um amante pode ser a prova que vamos tentando
fixar na memória o futuro de um corpo desnudo que, com o tempo, se des-
vaneceu, e que agora se nos dá transformado numa realidade não tangível.
Um dia, a escritora Isabel da Nóbrega ensinou-me como avaliar uma obra
poética, dizendo: "se no final da leitura, por um impulso inexplicável, te pu-
seres em pé, então estás em face de um bom livro, de uma esplêndida obra
literária!" É por isso que, de pé, aplaudo o "regresso" de Victor Oliveira
Mateus a mais um livro de poemas.
Muito obrigado!
Henrique Levy, texto de apresentação do livro "Regresso", Lisboa, 27 de Novembro de 2010.
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