31/08/11

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          " A cidade "


Por mais que insistas em recusar,
esta é, sim, a tua cidade concreta
onde tantos te ofereceram amizade
e o amigo partiu pela porta secreta.

Andaste cabisbaixo pelas calçadas
remoendo as humilhações do trabalho.
Marcaste este chão com teus passos,
dores recolhidas como um restolho.

Aqui nasceram os filhos, a epifania
das infâncias que sumiram passageiras.
Abriste envelopes com muito medo,
receoso daquelas notícias derradeiras.

Tu que amas a simetria permanente
viste a barriga da cidade arregaçada.
Como nas telas de Anselm Kiefer,
tens nela tuas perplexidades retratadas.

  Donizete Galvão in " O homem inacabado ", Portal Editora, São Paulo, 2010, p 59.
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