14/08/11

" São como revelações/ são textos prometidos/ com a marca da renovação "


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  " O gato e a casa"

Nas casas onde morou gente
há sempre um gato abandonado
de cabeça forte e um corpo lento
espalhado pela desolação do lugar

Mantém a temperatura na cozinha
arranha as paredes e os seus pensamentos
são habitantes subalternos dos quartos
e das horas de sol à volta do jardim

Mas as casas debaixo das árvores
anseiam ainda por outros homens
nos joelhos feridos e nos quartos interiores
homens que as ocupem e lhes levantem a mão
como garfos cheios de uma fome terrível

E que depois perguntem onde estender os braços
até o espaço ganhar a forma de uma família
de uma redoma confusa, com um crucifixo
e uma finalidade latente de procriação

E os gatos assustam-se com as casas transtornadas
e bufam até que chegam os primeiros carros
que ocupam todos os lugares marcados
e fica apenas o espaço fulminante da culpa

Depois morrem longe dessas casas
e das inquietações, de garras recolhidas
Mas quando nascem outra vez
são belos como relâmpagos
e demoram dias a afagar uma ideia

Abrem os olhos sobre crianças
e homens dóceis como alimento
e aparecem quando querem
em muitos lugares ao mesmo tempo

São como revelações
são textos prometidos
com a marca da renovação
e nos olhos a serpente que embala
o corpo do arrependido
e depois dormem
como se fossem criados
numa casa enroscada ao Inverno

  Tiago Patrício in "Cartas de Praga", Clube Português de Artes e Ideias, s/c., 2010, pp 9 - 11.
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