28/11/11

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Escurece,
neste pequeno porto de onde não partirei,
para que a minha vida seja a tua âncora,
quando me procuras.
Quando me procuras, é como acender os candelabros
de prata,
é como dizer-te, sem receio,
embora vacilante,
eu farei o teu abrigo dos abrigos que não tive,
eu serei a árvore,
de cujos ramos, tão saudosos, partem as aves
migratórias.
E se emudecer,
serei como ela,
a que me embalava docemente,
numa paisagem inerte,
apta ao vislumbre das corolas decepadas por uma faca,
oculta nas rendas.
Se te vejo,
vénus estremece no seu terraço com lilases de seda,
convoca-te o oráculo,
enleia-te a serpente, prende-te o amor que renova a seiva
no entardecer da espiga.
Seara fui,
e fui grão e leveza e espessura.
Quem sou hoje, pergunto às estações sucessivas.
Contenho-me.
Conténs-me e guardas-me nos teus lábios semicerrados,
calados, receosos da palavra poderosa,
do poder das sombras que atravessam o vale e têm
pressa de chegar à cruz de onde descerei um dia,
sim,
porque eu sou a carruagem lunar das tuas idas e vindas.
...  ...  ...  ...  ...  ...

  José Agostinho Baptista in " Caminharei Pelo Vale da Sombra ", Assírio & Alvim,
Lisboa, 2011, pp 46 - 48.
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