" Ícaro "
Alisa as penas no canto do parapeito,
onde o peito - já sem canto - lhe atiça
penas de outros tempos, quando a espera
de coisa nova era haste na fúria dos ventos.
Alinha-as segundo a cor, o tamanho,
a doçura, e com elas desafia o sol, os tiranos,
tudo o que sem vontade pura recusa asas
em aceitação de danos, vasas ou tortura.
Alisa as penas no canto do parapeito,
avesso às ameaças de Minos, aos labirintos
de Cnossos e seu despeito, ao roncar dos carros
rua abaixo: misto de falsidade e destroços.
Afaga as asas já concluídas e, encostado ao vidro
fosco da varanda, entristece a futura queda, cera
e ousadia derretidas, para que assim surjam ilhas,
terras verdejantes e todas as coisas prometidas.
Mateus, Victor Oliveira. Doce Inimiga ( antologia). Fafe: Editora Labirinto, 2013, p 40 ( Coordenação de Maria do Sameiro Barroso).
Nota - a presente obra, que integra textos de vários autores, acompanhou uma leitura poética organizada pelo World Poetry Movement e visa promover o diálogo, a libertação, a solidariedade e o empenho contra a opressão, a apatia e o isolamento; visa também chamar a atenção sobre os mais frágeis e combater o poder insensato dos predadores que controlam o mundo e impõem sobre todos a garra pesada do seu domínio cego. (Esta nota é quase uma transcrição literal da Abertura redigida pela coordenadora da Antologia).
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