17/01/11

" Assim, meu amor, se estiveres longe,/ assim falo contigo... "

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" A escrava"

Agora eu sou um jovem senhor,
e tu és a minha escrava. Vá, não me digas
que não, palerma; eu sei bem que é um sonho;
mas o sonho de que vivo é a verdade.

Comprei-te, bem longe daqui,
àquele velho de turbante, um dia em que estava
muito infeliz. E como soluçavas,
logo um beijo te dei, seguido de boas
coisas e de doces palavras. Agora és minha,
és a coisa que tenho; poderia minha menina
até bater-te; mas longe disso só bem
te farei; far-te-ei entre dois beijos
se não mo disseres, pensar ao menos: É belo,
quando se é escravo, ter um amo bom.

Assim, meu amor, se estiveres longe,
assim falo contigo, que já na cama,
mal acordo, no meu coração começo
a falar-te, a pensar em ti, a delirar.

Umberto Saba in "Poesia", Assírio & Alvim, Lisboa, 2010, p 141 ( selecção,
tradução, introdução e notas de José Manuel de Vasconcelos).
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