13/01/11

Textos em catálogos de Exposições - II

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"Realidade e Erosão na obra de Domingos Camponez"

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Um atempado olhar em torno da obra pictórica de Domingos Camponez conduz-nos de imediato àquilo que tem sido uma das suas vertentes fundamentais - a constante insatisfação ante temas, técnicas, formas e perspectivas: incansável observador do que o cerca o pintor não se fixa num único modo de apreender esse real que o surpreende e inquieta.

Em 2003, aquando da sua Exposição na Biblioteca Municipal David Mourão-Ferreira, Domingos Camponez constrói um universo de forte pendor matemático: o figurativo geométrico impõe então as suas leis aos materiais que o artista aí utiliza - madeira, serapilheira, óleo, acrílico e tela em linho ou em algodão. Alguns anos depois - e para referirmos apenas duas das suas mostras - o pintor decide expor na Fabula Urbis um conjunto temático que intitulou Gavetos. Ali estávamos já perante uma outra linguagem, panóplia de aguarelas que nos acicatavam a atenção para aquilo que tantas vezes insistimos em não ver nesta ritualizada existência urbana que é a nossa.

Agora, com esta nova Exposição, Domingos Camponez insiste em desdobrar-se, uma vez mais, quer quanto ao modo de olhar o real quer quanto às técnicas por que opta para expressar as suas observações. O tema é forte. Forte e abrangente - a Erosão. Não só uma erosão entendida como degenerescência de tecidos moleculares ou corpos no seu todo, ou vista como decomposição de elos afectivos e outros descalabros das relações interpessoais, ou ainda como o mero desgaste de paisagens físicas. A Erosão de que Domingos Camponez fala nesta nova Exposição é uma corrosão globalizadora da qual nada nem ninguém se pode eximir. Ante a veemência do tema o autor regressa aqui ao abstraccionismo e aos quadros de grandes dimensões, para que a estupefacção do visitante seja estimulada ao extremo numa mescla de espanto e de incitamento à consciencialização. Nestes novos quadros o pintor raramente se socorre do pincel, optando preferencialmente pela espátula e por técnicas mistas: óleo/China e óleo/acrílico, com as quais organiza os seus fundos predominantemente frios (sobretudo brancos e com vários matizes de cinzento) onde se virão incrustar depois - quais iniludíveis gritos de alerta - as cores mais fortes como o vermelho, o laranja e os diversos tipos de azul. Vemos, portanto, que os meios de que se socorre Domingos Camponez, nesta sua nova Exposição, apresentam uma dual finalidade: o estimular da emoção estética do visitante através dos instrumentos e artifícios já referidos, mas também o alertar de todos frente a essa multifacetada Erosão que nos cerca e onde somos chamados a viver, Erosão essa que atinge os seres (veja-se o quadro das duas girafas), bem como os recursos de que necessitam para se manter neste planeta que é, afinal, a nossa casa comum (repare-se igualmente na pintura que aborda a questão da pescaria nocturna).
Esta Exposição consegue, por conseguinte, articular de forma nítida e eficaz essas réstias de Belo que falam (ainda) à sensibilidade dos homens com as linhas de um Sentido que urge preservar, para que a vida mantenha o que em si é dignidade e capacidade de transfiguração.
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Victor Oliveira Mateus (Lisboa, 10/1/2011).
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Nota - alguns destes textos, após a sua entrega aos respectivos destinatários, acabo por me desinteressar do seu destino. Um pouco como se eles já não fossem meus. Assim, relativamente ao primeiro sei que estava a ser traduzido para espanhol (cheguei mesmo a ver o esboço do Catálogo), pois a referida Exposição iria percorrer várias cidades de outros países. No que diz respeito a este segundo texto, julgo saber que a Exposição irá decorrer em duas salas de um dos museus da zona de Belém, em Lisboa, mas não sei ainda mais pormenores...
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