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"Oração"
Anjo da guarda, corta as tuas asas,
Esses galões de pano,
Se queres, humano,
Ajudar-me.
Minha mãe a gerar-me
Nu,
E o céu a mandar-me
Um cisne falso como tu!
Nesta terrena dor,
Desesperado,
Pedi um braço quente e pecador.
Não quero cá ninguém santificado!
Limpa o verniz da cara, tira o lenço
E enxuga-me estas lágrimas de lama.
Deus é imenso,
Mas nem eu lhe pertenço,
Nem é por ele que a minha angústia chama.
Miguel Torga in "Poesia Completa", Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2000, p 309.
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