28/10/09

André Seffrin escreve sobre Cláudio Neves.

Todo poeta é o que é e não aquilo que imagina ser. Ora, apesar do ânimo clássico, aristocrático e até, por vezes, solene, a poesia de Cláudio Neves é portadora de uma inquietante modernidade. Nela, o conteúdo trágico não raro é diluído em formas lúdicas, em que se alternam e se deslocam imagens e sugestões menos óbvias quanto mais aparentes. Como um jogo de claro e escuro, de linhas retas e arabescos que o poeta movimenta com extraordinário senso de medida. Em De sombras e vilas (2008), seu livro anterior, ele se defronta com o espelho da memória, em que os sinais centelham dentro - em luz, palavra, sentido ou abismo, sempre dentro, lá onde residem os arcanos da poesia. Os acasos persistentes reativa essa metafísica convertendo-a, por assim dizer, numa cronologia de sentimentos, em que "as palavras são o que são, e não são nada". Porque, se a existência do amor é possível apenas fora do tempo, é em seu curso (do tempo) que ele (amor) existe. Sim, amor e morte, temas primordiais da poesia - com eles, Cláudio Neves retoma este ofício de palavras, valores e medidas, entre o sonho de Deus e o vazio, para alcançar, talvez, "após uma noite de sonhos concêntricos, a suprema manhã da inexistência". Valores e medidas de grande poeta cósmico que vive e escreve a partir de suas moradas e conflitos.
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André Seffrin In "Os acasos persistentes" de Cláudio Neves, Ed.7Letras,
Rio de Janeiro, 2009.
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