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Não sei possível vida mais desinteressante
do que esta. Levantar pela manhã sem um único
objectivo, levar o corpo à segunda repartição
de finanças, corrigir impressos a gente ainda
mais desinteressante do que eu. Assim o espero.
De nada vale esperar. Têm filhos, dois cães, um
gato, meis dúzia de cágados a rebolarem-se à vez
no esterco da água. Venho à tardinha para casa.
Poder-se-ia pensar que a tempo de me ser útil.
Mas vejo televisão só para esperar, penso
nas famílias dos cágados, no Tico e no Fofinho
com o pêlo afagado pelas crianças. Ligo a internet,
engato mais uma desesperada e rapidamente no seu
corpo estes pensamentos tão impuros são nada.
Jorge Reis-Sá in " Mulher Moderna ", Ulisseia, Lisboa, 2011, p 27.
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