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" O pássaro amarelo "
O grande e estranho pássaro amarelo
Que eu sinto a noite inteira
ruflando as asas na janela,
tem não sei que mágico feitiço.
Quieto sobre a cama, sem dormir,
sinto-o chegar das trevas e dos medos
que moram no sem-fim do esquecimento.
Vejo-lhe os olhos fixos, parados.
Escuto-lhe as unhas longas e aduncas
raspando os vidros, pávido de horror.
Quieto sobre a cama, sem dormir,
noite após noite eu jogo o longo jogo
que é defrontar o grande e estranho pássaro amarelo
- que só não chega até mim porque há o vidro
contra o qual, em vão, ele vem lutar.
Quieto sobre a cama, sem dormir,
Lucidamente vivo, em cada noite,
um frio, perverso gozo prolongado,
esta certeza de, num qualquer dia,
eu próprio me ir ao vidro e o quebrar.
Guilherme de Melo in " A raiz da pele ", Humanity's Friends Books, Montijo, 2011, p 65.
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