31/01/12

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L'homme et l'arbre sont unis dans l'imagination de l'homme, peut-être même le sont-ils dans quelque imaginaire de l'arbre. Ne parle-t-on pas du corps de l'arbre, de son tronc, de son pied? Et, de l'homme, ne parle-t-on pas de sa fourche pour définir le lieu de sa division, ne parle-t-on pas de ses racines pour circonscrire l'endroit de son implantation essentielle et vitale, - justement: son implantation? Il y a plus: il y a que le contact de l'homme avec le sol, avec la terre, se fait par la plante de ses pieds. Il y a que l'arbre et l'homme tous deux respirent et je les entends même tous deux qui chantent: l'homme chante, l'arbre chante, et parfois de concert. En outre, de par la sève et le sang, ils partagent une même lettre initiale, symbole peut-être du serpent susurreur qui s'est mélangé une seule fois, mais plus que suffisamment, à l'histoire d'une origine partagée sise au point de l'éternité et du temps, à une époque qui leur fut à tous les deux semi-réveil après le grand sommeil fondateur. Et puis, si l'homme marche et s'il voyage, le plus souvent accompagné du fracas des machines, l'arbre aussi voyage à sa façon, - discrète. Les arbres qui ne voyagent que par leur bruit, dit, joliment, Georges Schehadé.
Tout cela fait de l'arbre - au même titre que l'animal - notre voisin, notre cousin.

  Salah Stétié in " Dans le miroir des arbres ", Fata Morgana, s/c., 2011, pp 11 - 12.
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30/01/12

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  " smile "

dia de inverno baixa temperatura
treme tudo até aquela dentadura
que o mendigo banguela encontrou na rua



  " que eme! "

no lixão um mesquinho minidicionário
mostra ao mendigo que a miséria
infelizmente vem antes da misericórdia



 " pergunte ao pó "

cinzas: cemitério cheio de gente
o mendigo se pergunta: há vida antes
e depois da morte? e durante?

  Paulo de Toledo in " 51 Mendicantos ", editora éblis, Porto Alegre, 2007, p 21.
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 " todos levam a roma "

a placa de pizza delivery
deu água na boca do mendigo
mas não pelo que tinha de inglês, è vero!



  " ah! "

prova de história do brasil rasgada
escrito em azul um grande e belo A
o mendigo caga e proclama: aprovada



  " single "

sem mulher nem filhos nem cachorro
pensa quase feliz o mendigo
menos gente pra pedir socorro

  Paulo de Toledo in " 51 Mendicantos ", editora éblis, Porto Alegre, 2007, p 18.
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29/01/12

" - Vem, cabrito, que eu ardo à tua espera! "

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Ai, como trepas, cabritinho esperto:
De uma pedra já saltas noutra pedra,
E pouco a pouco assim chegas mais perto
Do cume e d'erva que no cume medra!

- Já chego, estou chegando, espere um pouco!
De cargo em cargo vede: sei galgar
( Ai, que poder! Estou ficando louco!),
Montar depressa até no cume dar!

- Vem, cabrito, que eu ardo à tua espera!
E, ao chegares aqui, ergue o rabito:
Mais alto fiques tu no cume farto!

- Mas, meu amor... eu quero a estratosfera!
Trepar mais alto! É só no que cogito!
Chegando a aurora, já do cume parto!

  Paulo Franchetti in " Mal D' Orror ", Sereia Ca(n)tadora, Santos, 2011, p 3.
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28/01/12

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    " Lasciami sanguinare "

 
Lasciami sanguinare sulla strada
sulla polvere sull' antipolvere sull'erba,
il cuore palpitando nel suo ritmo feriale
maschere verdi sulle case i rami

di castagno, i freschi rami, due uccelli
il maschio e la femmina volati via,
la pupilla duole se tenta
di seguirne la fuga l'amore

per le solitudini aria acqua del Bràtica,
non soccorrermi quando nel muovere
il braccio riapro la ferita il liquido
liquoroso m'inorridisce la vista,

attendi paziente oltre la curva via
l'alzarsi del vento nel mezzogiorno, fingi
soltanto allora d'avermi udito chiamare,
entre nella mia visuale da un gorno

quieto di settembre, la tavola apparecchiata
i figli stanchi d'attendere, i figli
giovani col colore della gioventù
esaltato da una luce che quei rami inverdiscono.

  Attilio Bertolucci in " Poeti Italiani del Secondo Novecento ", A cura di Maurizio Cucchi e Stefano Giovanardi, volume primo, Oscar Mondadori, Milano, 2004, pp 17 - 18.
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27/01/12

" porque os poemas que escrevo são/ lugares incertos onde ninguém viverá "

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Esta mão que escreve e que não é minha
foi amputada por um deus ou por uma deusa
É mentira quando dizem que todas as estradas
dão a Roma
as minhas terminam num deserto
sem que eu perceba o seu verdadeiro nome
A língua gangrenada soletra o apelido
do segundo filho de Jeová
porque os poemas que escrevo são
lugares incertos onde ninguém viverá

  Luís Aguiar in " Desarrumação do Frio ", Edª Labirinto, Fafe, 2011, p 59.
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" assim na terra como nos múltiplos céus "

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São antigas as memórias que se deitaram
no meu sangue
Entendo um desconhecido romance de Joyce
que encontrei numa tabacaria
O leite frio dos teus olhos
desfez o amor em gotas   as tuas mãos desenham
o labirinto da minha errância
Ouve-me   pára de comer
quando te for em demasia a fome
e seja feita toda a vossa vontade
assim na terra como nos múltiplos céus

  Luís Aguiar in " Desarrumação do Frio ", Edª Labirinto, Fafe, 2011, p 57.
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25/01/12


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     " Ladainha "


Entre mim e a palavra o fogo o mar inteiro
o invisível por terra a abundância simplesmente
aberta sobre o vale a elegia divisória o som
e a pálpebra. Entre o dia e a noite o fogo sugando
as direções os passos o calor do estio o frio
em si mesmo os dez mandamentos sobre as tábuas
ausentes os crentes como sempre e o túmulo berrando
ao cair da tarde. Um dia o dia há de tombar
longe dos poemas, finalmente morto na ausência
desigual, fantasma sem sombras por fingir.
Entre mim e as últimas vezes o êmbolo os sete
dias da semana derradeira o rosto e o ventre
cedo demais para ser estéril. Apesar de toda
canícula, tenho de ouvir sem excluir o coração,
devo ver com a lentidão da árvore
que cresce e a sobriedade fiel de todas
as estrelas, agora uma estrela reclama a sua parte de herança
quebra o pânico de se ter a noite pegada
de domingos longos por detrás do cão sem horas
nem vôos. O fogo por dentro de todos os silêncios,
o fogo vulgar saindo das trevas, o fogo
de antanho é o fogo ofegante, meretriz de crápulas,
barcaça de olheiras, porão maldito de ravinas,
tecelão sem misericórdia de nós. Entre mim
e a pressa o fogo se recompondo. Dar-te-ei
nenhuma lei, quero desejos e tulipas e sinos
e os pontos dos is. Regresso ao fogo de aranha,
vou cosendo juramentos para além do bem
e do mal, vejo o dia e a noite, sou pródigo
de coisas feitas. Entre mim e o alude o fogo
sem quietude, o crepúsculo o esfincter a alameda
antes da manhã a sugestão inexistente a gafe
a velha gafe a velha gafe corando de trespasse.

  Oscar Bertholdo in " Molho de Chaves ", EDUCS - Editª da Universidade de Caxias do Sul,
Caxias do Sul, 2001, p 201.
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24/01/12

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 " Poema da Perfeita Vindima "


Ainda é tempo de vindima
sobre os ombros da montanha.
Os cestos de vime trazem
a dor manuscrita e a gama
de intenções. A vindima
espia quem vem olhar, solícito
vou voltar à vida, carrego
uma dorna de desejo e dores
uno as mãos para não corar.
Agora a vindima elástica
multiplica o gládio das abelhas
e esse cheiro das canções.
As uvas doces do vale te esperam
excitam a paz sem as pequenas
máscaras e os enganos ásperos de velar.
Bendita seja a vindima outra vez
sobre a amada montanha.
As imóveis tinas são poços
em volta da noite finda e funda
o vento é vinho, a luta é árdua.
Decerto para não chorar
as parreiras se aproximam
para florir tuas mãos.

  Oscar Bertholdo in " Molho de Chaves ", EDUCS - Editª da Univ. de Caxias do Sul,
Caxias do Sul, 2001, p 132.
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23/01/12

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   " Poema andado "


Não sou início mas fui mandado
para as mesmas árvores pacíficas
é de raízes a minha origem,
e de ar bom como a palavra flui
e me devora e até emudeço.
Fui guardado desde o início.

Não sou estanque eis-me junto
à morada em pudores fatigado
para atrair com a origem
a alegria de fiar a viagem
que me resta por herança.
Eis-me renque ao que é estanque.

Não sou o chão que se repete
em órbita de luz e sombra,
sou a tumultuária agrura
com que a noite pretende
provisionar a açoitada alma.
Que há que não permaneça chão?

Não sou a travessia mas o cansaço
e dói-me ser o derradeiro
visitante ruminando à sombra
do amanhã a consentida
ira que me nutre. Nunca finda
o cansaço nem a travessia.

Não sou as mãos que tenho talvez
lembre ainda um gesto puro,
calcografia de espantos
manietando as minhas margens
como cordas me prendendo.
Não tenho mãos para o que sou.

Conheço a luz desde o início
para testemunhar o mundo estanque.
Não sou caminho mas fui mandado
a preparar com minhas mãos
a travessia em que me prendo.
Eis-me gerado mas não feito amém.

 Oscar Bertholdo in " Molho de Chaves ", EDUCS - Editª da Universidade de Caxias do Sul,
Caxias do Sul, 2011, pp 84 - 85.
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22/01/12

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     " Recomendação "


O que se há de fazer para chegar
de uma noite aflitiva pelo vento?
Conduzo nas mãos o que ficou
ferido. Não sei como me aquecer
distante de tua face, se em mim
espero apenas o beco sem saída
e outros tantos pássaros que chegam
tardios. Contra a treva
nem posso ordenar a névoa!
Aquém do céu aquém das pedras
me habituo a esta medida
de exílio canhestro. Com tantas
sílabas, sou puro demais...
Tenho até vontade de urrar.
Posso dizer em testemunho: existe
a insatisfação por tudo, provindo
do meu sangue sem metáfora.
Ponho-me outra vez a caminho,
temo recuar. A noite continua
com seu ofício de grade medieval.

  Oscar Bertholdo in " Molho de Chaves ", EDUCS - Editª da Universidade de Caxias do Sul,
Caxias do Sul, 2001, p 54.
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21/01/12

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 " Quando os olhos tiverem chorado "



Quando os olhos tiverem chorado quase tudo
e pressurosos de um sossego relativo
encontramos novo suor em nosso rosto -
quando ainda sobrevivente o cansaço
descobrir o instante árduo da ternura -
quando a ternura ainda for coerente
e todas as coisas apressadas voltarem
a ter sombra necessária e os mansos bois comerem
boninas pelos vales estrumados de domingos -
quando as semanas os meses e os anos
surtirem tão imperfeitos como
imperfeitos são os sofrimentos mais reais -
quando inventamos imagens para visitar
as rosas e entre os salgueiros consentidos
desfolhamos as nossas pálidas faces
de animais tão tristes -
quando o mar desdobrar para as nossas mãos
famintas aqueles navios sonhados em criança
e enternecidos pela maresia do cais
reavermos o caminho não andado -
quando pressentirmos que o sinal
definitivo é estarmos nus e orvalhados
pela concórdia apenas possuirmos além de algumas
borboletas esse desamparado júbilo de tudo -
quando o acréscimo nunca for negado
e os peregrinos entre as páginas
do exílio clamarem pelo odor
de origem... bruscamente
inacabados em dor
ver-nos-emos próximos da impossuída
descoberta de um encontro único.

 Oscar Bertholdo in " Molho de Chaves ", EDUCS - Editª da Univ. de Caxias do Sul,
Caxias do Sul, 2001, p 29.
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20/01/12

"Fogo", não sabia que tinham filmado esta apresentação. Que saudades desta noite!!!


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Acabei de descobrir "isto" agora mesmo no Face: a Inês Ramos, o Rui Costa, o Fernando Esteves Pinto e até eu "botei" discurso. Que noite mais boa, caraças!!! O Rui, já no final, e candidamente, a dizer ao Fernando: "não leste o Victor Mateus, mas podias ter lido... " Depois "disto" é que fico mesmo sem jeito!!!
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19/01/12

RUI COSTA ( 1972 - 2012 )

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        " Alguém "

 
Sou as palavras e os segredos que guardei
e um estrito reservar-me nunca soube porquê
se tão completa me entrego as vezes que me entreguei.
Sou a lembrança que se vai diluindo
em olhos que julguei perenes e consanguíneos.
Sou canções poemas e tantas
malbaratadas luas. E a música e os livros
e a varanda que um arquitecto desenhou
sem saber que era p'ra mim. E que perdi.
Sou o teu sono,minha gata, redondo ainda
e já inclinado ao fim. Sou árvores, o rio que amei,
as aves, as giestas, uma pouca de terra.

 Soledade Santos in " Sob os teus pés a terra ", Ed. Artefacto, Lisboa, 2010, p 74.
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           " As palavras "


As palavras são navios e a respiração lhes dá corpo.
Florescem nas amarras dos dias tranquilos
e laceram pequenas certezas.
As palavras, à tarde: morno rebanho branco
cintilando na sombra da encosta da serra
- e os olhos passam e desfalecem no velo dócil.

Arde baixo a voz, o dia dividiu-se em antes e depois.

  Soledade Santos in " Sob os teus pés a terra ", Ed. Artefacto, Lisboa, 2010, p 40.
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18/01/12

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 " Não precisamos de muita coisa "


Não precisamos de muita coisa,
um pouco de sol e as Berlengas no horizonte,
a tarde escorrendo na cafetaria,
os nossos olhos lentos e as vidraças
subitamente acesas no esplendor das bátegas.
Patos selvagens erguendo-se da lagoa
quando sairmos e ao vento frio oferecermos
a transparência dos lábios cercados
pela melancolia da tarde que nos finda.

E à noite talvez as mãos
ardidas de saudade e em surdina
uma canção de Ella e Louis Armstrong.

  Soledade Santos in " Sob os teus pés a terra ", Ed. Artefacto, Lisboa, 2010, p 27.
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17/01/12

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Teseu:

Dizeis...? Tudo está bem.
Voltou o meu sossego. De onde escapei,
lá estava Minotauro e labirinto.
Mas eu matei-o!
E ele, em morte, fugiu,
para sítio lodoso e muito informe.
E vós sois minha, como sempre fostes.

Ariadne (Aparte):

Porém, não só de vós, mas também dele.
(...)
As falas de Teseu sinto-as em nada
se as peso ao lado destas
que invento em Caliban.
(...)

(Dirige-se a Teseu):

De vós serei?
Eu sou de sobras tantas, meu senhor,
e tenho-me bastado
encostada à ideia de não ser,
de ter-vos só defronte a coisas tais
que ter-vos já de coisa feita era.
Mas seja assim:
De vós aqui me tendes -

Teseu:

Como divagam as mulheres!
Vós divagais.
(...)

Ariadne:

Como consigo ouvi-lo e nada me doer?
A Teseu ouço, mas não escuto nada.
E ainda tenho escondidas neste bolso
as jardas que sobraram do meu fio.
(...)
Dizei-me, Mãe, que usaste também fios
e mais do que eu sabeis.
O que farei com elas,
as jardas que sobraram do meu fio?

Penélope:

Eu, sobre o bastidor
bordei o fio da espera,
e perdi o olhar ao longo de navios
e horizontes.

Esse que amei foi meu,
voltou, mesmo ensombrado por sereias,
iluminado pela luz das ondas.
E foi tão longa a espera,
tremiam tantas noites os meus olhos,
e eu temia por ele.
Esperar - que ofício outro?

Era forte o meu fio, possante e longo,
capaz de ser depois desembrulhado,
desfeito e relançado novamente.

Não te sei responder:
o que farás com elas, as jardas
que sobraram do teu fio?
Só tu o saberás dentro de ti.

Mas sabe, minha filha, do risco que é amar:
Morte e amor: vizinhos tantas vezes,
tantas vezes amantes.
E a vida é o assombro que assombra
e amedronta.

Não te sei responder. Mas tem cautela,
que é o teu fio mais fino,
mais frágil, transparente.
O meu atravessava mares e continentes,
e ele queria voltar,
e eu queria que voltasse.
Esperar - que ofício outro me restava?
Mas eu amava aquele e mais nenhum

E tu, não sei...

  Ana Luísa Amaral in " Próspero Morreu ( Poema em Acto) ", Editorial Caminho,
Alfragide, 2011, pp 22 - 26.
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16/01/12

"(...) cabalgo/ sobre tu dudosa espalda/ y busco "

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   " En El Umbral "

Ambigua playa
madre de la luz, cabalgo
sobre tu dudosa espalda
y busco
la señal segura donde anclar
las claves de mi lengua.

Cómo hacerlo Aurora,
si cuando miro
tras tu espejo,
sólo el vacío se abre
a mi deseo?

Si al decir sombra late lo más hondo
y feliz de mis sentidos?
Si la luz desdobla el ansia fiera
de fijar la realidad
para mejor mirarla
y saber acaso dónde, cómo
cuándo terminará el viaje
que desde lo claro vive mi ser
hasta la oscuridad de tus orillas?

Ah, permanecer para siempre
húmedo y cálido,
en la ficción que vivo!

  Miguel Veyrat in " Conocimiento de la Llama ", Ed. La Lucerna, Madrid,
2010 ( Segunda Edición ), pp 80 - 81.
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15/01/12

" volveré a la patria/ torturada de mi infancia/ y habitaré mi lengua "

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 " Palabra Perdida "

     I

Perdido en la línea del alba
- meta o partida,
volveré a la patria
torturada de mi infancia
y habitaré mi lengua.
Abandonada bruma,
pie de luz en la ceniza.

     II

Dónde la palabra,
agua interior congelada
en la pupila del tiempo?

Al fragor de la sangre
me abandono:
Río rojo donde fluye
la brasa insomne,
el incendio.

     III

Compañera,
en el latido del viento
- desesperado silencio,

Quizá el corazón lo sepa.

  Miguel Veyrat in " Conocimiento de la Llama ", Ed. La Lucerna, Madrid,
2010, Segunda Edición, pp 48 - 49.
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14/01/12

" Mas a ´strela da tarde cumpre o curso -/ e elas recolhem lânguidas, serenas. "

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          " Jogo da Tarde
(Escola de Safo; ilha de Lesbos)"

" Arfam dançando à volta do altar,
as louras cabeleiras   pregueadas
túnicas, as donzelas - lançam flores
que voam pelos ares   feitas música:
e em tal beleza nada mais flutua
que desejos fulgidos em calor.

Erguem a bola: a erva estremecida
palpita sob os pés: pernas alçadas,
raios de sol moldando os movimentos
em discretos meneios ou corridas,
as mãos aladas a tocar o alto,
traçam glosas de sons fogosamente,
enquanto Safo   a dedilhar a lira
o jogo melodia em meigos carmes.
Éros volita pelas suas faces,
os seus corpos invocam Afrodite.
Súbito, o jogo pára. Com brandura
afogueadas pelo chão s'estendem:
braços cruzados afagando o púbis,
as bocas sequiosas que rescendem
a perfume de gozo   febilmente.
(...)
Foi jovial a devoção às musas.
Mas a 'strela da tarde cumpre o curso -
e elas recolhem lânguidas, serenas."

  António Salvado in " O Sol de Psara ", Editora Licorne, s/c., 2011, p 33.
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" Nem eu alcanço outro horizonte além,/ nem tu aqui outra maior distância - "

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 " O Olhar de Ver "

Em tudo o que tu vês   eu moro aí,
em tudo o meu olhar   a ti só vê -
conforto de presença tão contínuo
que não sabe onde surge   onde termina
dentro do modo   o tempo deste ver.

Nem eu alcanço outro horizonte além,
nem tu aqui outra maior distância -
e os olhos bem juntinhos não se lembram
de sentirem em si diverso alento
que não seja   - a tremerem -   a constância.

Por isso   como um lanço   os nossos corpos
ignoram qualquer 'spaço que os separe -
muito encostados   poros sobre poros
olham apenas o prazer que é nosso
com mais desejo encima    até fartarem.

    António Salvado in " O Sol de Psara ", Editora Licorne, s/c., 2011, p 12.
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13/01/12

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     " Mãos Dadas "

 
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

  Carlos Drummond de Andrade in " Sentimento do Mundo ", Editora Record,
Rio de Janeiro, 2005, p 59.
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  " Brinde no Juízo Final "


Poetas de camiseiro, chegou vossa hora,
poetas de elixir de inhame e de tonofosfã,
chegou vossa hora, poetas do bonde e do rádio,
poetas jamais acadêmicos, último ouro do Brasil.

Em vão assassinaram a poesia nos livros,
em vão houve putschs, tropas de assalto, depurações.
Os sobreviventes aqui estão, poetas honrados,
poetas diretos de Rua Larga.
(As outras ruas são muito estreitas,
só nesta cabem a poeira,
o amor
e a Light.)

  Carlos Drummond de Andrade in " Sentimento do Mundo ", Editora Record,
Rio de Janeiro, 2005, p 39.
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 " Congresso Internacional do Medo "


Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

 Carlos Drummond de Andrade in " Sentimento do Mundo ", Editora Record,
Rio de Janeiro, 2005, p 35.
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12/01/12


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                   A  TRAPEZISTA  DA  RUA  DÊ

               (Breve conto imoral muito edificante)

 


De dentro dos seus 70 anos a trapezista era a figura mais controversa do circo. Com a sua cinturinha-tonel, as suas sapatilhas 46 e o seu tufo piloso sobre o malar direito em todos despertava um misto de fascínio e rancor. Laurinda marreca, a mulher que fazia de tartaruga nos espetáculos das quintas-feiras, ajeitando a bossa do peito, costumava dizer: "parece uma caneca que a minha tia-avó tinha... quando eu não queria comer, traziam o raio da caneca e eu não deixava nem uma massa." Os outros riam. Serafim loiro, o anão, era o único que se mantinha em silêncio: olhar gélido, apreensivo. Mas a velha trapezista lá ia: altiva e hierática atravessava a turbamulta, executava o seu augusto número e logo recolhia à roulotte encostada à vedação da rua Dê, uma das várias ruas do acampamento. " E não há quem lhe dê um sopapo?", vociferava a marreca, cheia de ódio; " Ó mulher, deixa a velha, coitadinha!", vinha em socorro a equilibrista, " não vês que ela não tem os alqueires bem medidos!"; " Sim, sim!", voltava a marreca, " Ela sabe é muito!" E lá ficava rosnando para dentro. O anão registava: olhar penetrante.
A trapezista, de facto, alimentava um sonho, o seu único sonho: ser dona do circo! Argemiro, o real proprietário, já lhe tinha feito a radiografia e deixara bem claro para si próprio: " Antes casar com a marreca ou com os repugnantes ademanes do palhaço rico com suas sedas e chifons, antes isso do que aquela mostrenga", e atirava com as portas, furioso. Vendo que dali não levava nada, a trapezista, que não era mulher para se dar por vencida assim sem mais nem menos, virou o periscópio para o ilusionista, o meio-irmão de Argemiro, mas também aqui - a infeliz - viu a sua estratégia gorada, sobretudo depois de ter assistido ao espectáculo do dia 13, quando o desastrado ilusionista baralhou as caixas e, após ter serrado uma mulher ao meio, o serrote e o chão ficaram ensopados de vermelho, enquanto Ildebranda, a arrumadora, brandamente levou sumiço. Só que a trapezista não parava de olhar para as alturas: queria para sempre aqueles lugares que tão episodicamente visitava. Argemiro, já farto da velha, e temendo que a traição assumisse proporções incontroláveis, propôs ao meio-irmão: " E se a pusessemos no número dos pinguins? Com aqueles pés 46 passava despercebida." Mas tudo se revelava impraticável, condenado ao fracasso, pois as piruetas da velha - qual mestra de equitação - acabavam sempre contornando vielas e cotovelos. E foi por esta altura que o anão loiro, há muito fazendo-lhe uma marcação cerrada, apanhou a estratégia macabra: sentado atrás dos montes de feno dos póneis, ouviu a trapezista conspirando. Ela queria um levantamento geral! " Aliás", ronronava ela com seu ar de falsete, " um golpe de estado num estado que é um circo, até parece coisa bem normal". Serafim teve um baque - finalmente! E dali confessou tudo à surda-muda da bilheteira, que sempre fora a sua mais atenta ouvinte e leal conselheira. A surda-muda, depois de lhe ler as maiores nos lábios, foi peremptória: " ÓÓÓ-MMMÁÁÁ  TÓÓÓ-CÁÁ ", o anão, feliz com a anuência, e ainda nesse dia, subiu (ele) ao ponto mais alto do circo, onde passou a noite escondido num dos refegos laterais da lona do teto e ali se deixou ficar, sem adormecer, esperando, esperando, esperando.
No dia seguinte, por coincidência dia de finados, já no fim da matiné, lá vinha a trapezista velha para a sua extraordinária exibição. Os seus pézinhos 46 eram música no lajedo: CHAP-CHAP-CHAP. Serena, oh, tão deliciosamente serena! CHAP-CHAP-CHAP! Reluzente passou por entre a ignorante assistência, tangenciou os ínfimos colegas, e foi também reluzente que subiu aos píncaros. " Agora só com uma mão!", berrava o altifalante. Voltas e reviravoltas, piruetas e negaças - tudo especialidade da casa! " Agora só com um pé!", voltava o altifalante à carga. E foi quando os tambores começaram a rufar para o ousado momento final, que o desastre aconteceu: " E agora, senhoras e senhores, pede-se o máximo silêncio, vamos assistir a um arriscado salto mortal de um trapézio para outro ainda mais acima!" A velha, confiante, sorriu, olhou sobranceiramente para baixo, ajeitou-se, voltou a olhar, voltou a sorrir e... iniciou o salto. E foi exactamente aqui que Serafim, o anão, saltou da enrugada lona, estendeu a mão com uma enorme tesoura cintilante e... ZÁS!... cortou as cordas do segundo trapézio. Terror geral. Ouviu-se da boca dos espectadores um enorme OHOHOHOH, da boca da surda-muda um perverso IHIHIH e um TCCHOP no fosso da orquestra, que até acordou o primeiro violino. O salto mortal da trapezista da rua Dê fora mesmo mortal! As lantejoulas do rasgado maiô choviam agora como copiosa neve de presépio, enquanto a cabeça, que se desatarraxara, assomava debaixo da poltrona P34 de primeira plateia. " Não olhem pra mim, não olhem pra mim, eu não estou metido nisto", cacarejava o timorato ilusionista. " Pobrezinha, tanto subiu, tanto subiu, que perdeu a cabeça!... Ficou foi agora aqui um grande cheiro a merda", afagou a marreca a bossa do peito. " Sempre foste muito invejosa!", respondeu-lhe a equilibrista. " Meus senhores, vamos mas é voltar ao trabalho!", ordenou Argemiro, pouco à-vontade. IHIHIHIH, insistiu a surda-muda que, sem os outros verem, e debaixo dos seus longos cabelos, recolocou nos ouvidos a sofisticada prótese auditiva.

            Victor  Oliveira  Mateus
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11/01/12

" Je ne saurais pas vous dire pourquoi, mais je l'ai cru. Est-ce que vous comprenez ça? "


( O inspetor Tonello interroga o jovem prostituto Leo Bertina acerca da morte de Luca. No final da obra descobrir-se-á que Luca, carregado de álcool e soníferos, se havia posto a fazer equilibrismo no parapeito de uma das pontes do Arno... Os capítulos que narram o encontro entre Anna e Leo são páginas de Antologia.)
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"Quelle était la nature exacte de tes relations avec Luca Salieri?" La question est nette, pas emberlificotée, elle vise à l'essentiel, elle est formulée de manière ouverte, à la fois por ne braquer et dans le but de recueillir le maximum d'informations. Tonello, à sa façon, est un professionnel.
"Il venait me rejoindre de temps en temps à l'hôtel Solferino, là où j'habite." Ne pas se livrer d'un coup, s'en tenir au basique pour le moment, aux faits vérifiables, ne pas l'amener là où il s'égarerait.
"C'était un client? Un client régulier?" Nous sommes dans des cases. Nous avons des emplois. Pour Tonello, je fais la pute, rien d'autre. Je n'ai pas d'autre utilité, d'autre fonction. Ceux qui me côtoient le font obligatoirement pour des raisons professionnelles. Du reste, si je me trouve face à lui aujoud'hui, c'est uniquement parce qu'il est policier (...).
"Non." Voilà. C'est ça, le grain de sable dans cette mécanique parfaitement huilée, la tache sur cette page blanche où l'histoire ne demandait qu'à s'écrire en lettres rondes et simples et prévisibles, l'incongruité dans notre monde qui tourne tellement rond. La surprise se lit sur la face triste de mon interlocuteur (..). Il est désappointé, presque déçu. Tonello ne peut pas concevoir que je dis la vérité. Ce malentendu fondamental nous sépare absolument (...)
"Je ne suis pas sûr de saisir. Luca Salieri venait te rejoindre dans ta chambre d'hôtel et tu soutiens qu'il ne payait pas tes services?" (...) L'inspecteur Tonello a besoin que mes explications entrent dans ses cases.
"C'est ça. Vous avez bien saisi." Utiliser son vocabulaire. Et le renvoyer dans ses buts. Prendre le risque de l'énerver.
"Tu peux me raconter alors ce qu'il venait fabriquer dans ta chambre?" Pouvoir, peut-être, mais vouloir? mais devoir?
"Un jour, il s'est présenté devant moi, à Santa Maria Novella, à la gare. Il a dit qu'il s'appelait Luca Salieri. Je ne l'avais jamais vu avant. J'ai supposé qu'il voulait coucher avec moi. Ce n'était pas mon bon jour: je l'ai presque insulté. Lui, n'a pas bronché. À la fin, il a prétendu que nous pourrions être frères. Je l'ai cru. Je ne saurais pas vous dire pourquoi, mais je l'ai cru. Est-ce que vous comprenez ça?
- Non. Pour moi, c'est du charabia. (...) Vous couchiez ensemble, oui ou non?" Être binaire. Fermer le jeu. Tonello a du métier.
"Si la question se pose seulement comme ça, alors la réponse est oui." Sur son visage, soudain, le soulagement du policier qui vient de recueillir un aveu (...).
"Tu vois: on progresse. Et donc la nuit de sa mort, vous l'avez passée ensemble?
- La nuit du vendredi, on l'a passée ensemble. Je ne sais pas si c'est la nuit de sa mort. Je ne sais pas quand il est mort.
- Cette nuit-là, justement.
- Vous me l'apprenez.
- Ça n'a pas l'air de te surprendre.
- C'est sa mort qui m'a surpris. Le reste, c'est accessoire.

  Philippe Besson in " Un garçon d'Italie ", Éditions Julliard, Paris, 2003, pp 145 - 156.
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10/01/12

"Aquilo que conta é sabermos. Pouco importa se ficamos devastados com o que nos dizem. "

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( Monólogo de Anna após a estranha morte de Luca, seu amante )

Je ne réussis pas à eloigner le doute, à empêcher le questionnement. Je le voudrais, juste pour tenir bon encore, mais rien n'y fait. Les interrogations les plus diverses, et les plus farfelues, m'assaillent, comme une armée qui accumulerait les coups de boutoir contre les murs d'une citadelle.
Les questions sont une gêne, presque toujours. Seules les réponses, et de préférence les plus tranchées, assurent la tranquilité.
Ce qui compte, c'est de savoir. Peu importe que nous soyons dévasté par ce que nous allons apprendre. Tout vaut mieux qu'une ambiguité, une obscurité.
Je suis même disposée à accueillir des mensonges, porvu que je puisse les croire. Du reste, entre les vérités accablantes et les fables parfaites, je ne choisis pas: les deux me vont car aucune ne me plonge dans les affres de l'incertitude. L'insupportable, toujours, c'est l'entre-deus, la zone grise.(...) Pouquoi n'y a-t-il pas seulement des innocents et des coupables, seulement des héros et des salauds? Pourquoi faut-il qu'on nous inflige des nuances, des dégradés?
Il me semble qu'on m'envoie une épreuve et qu'elle pourrait rapidement tourner au supplice, au cauchemar.
Cette torture me prive du sommeil. (...) Aux premières heures de la matinée, je me rends au commissariat afin d'obtenir une entrevue avec les policiers chargés de l'enquête (...)
À neuf heures trente, un homme se présente à moi: l'inspecteur Tonello me prie de le suivre. (...) Lorsque je lui précise le but de ma visite, il se referme. Les résultats de l'autopsie sont communiqués exclusivement à la famille. Et il revient à la famille de décider comment elle entend en disposer. Lui n'est pas habilité à delivrer ce genre d'informations.

 Philippe Besson in " Un garçon d'Italie ", Éditions Julliard, Paris, 2003, pp 83 - 86.
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04/01/12

"(...) mas pelo menos conserva o cérebro em atividade, é melhor do que o golfe... "

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Quando somos novos, toda a gente com mais de trinta anos parece de meia-idade, toda a gente com mais de cinquenta é antiga. E o tempo, à medida que passa, confirma que não estávamos assim tão enganados. Esses pequenos diferenciais etários, tão cruciais e flagrantes quando somos novos, desfazem-se. Acabamos por pertencer todos à mesma categoria, a dos não jovens. Nunca me importei muito com isso.
Mas há exceções à regra. Para algumas pessoas, os diferenciais de tempo irrefutáveis na juventude nunca desaparecem realmente: o idoso permanece idoso, mesmo quando são os dois velhotes e se babam. Para algumas pessoas um intervalo de, digamos, cinco meses significa que, perversamente, se verão sempre como mais sábios e mais bem informados do que o outro, por mais que o contrário seja evidente. Ou talvez porque o contrário é evidente. Porque é perfeitamente claro para qualquer observador imparcial que o equilíbrio se deslocou para a pessoa ligeiramente mais nova, a outra mantém a pretensão da superioridade ainda com mais rigor. Ainda mais neuroticamente.
Ah, é verdade, continuo a tocar muito Dvorak. Não tanto as sinfonias; hoje em dia prefiro os quartetos de cordas. Mas Tchaikovsky seguiu o caminho daqueles génios que fascinam na juventude e conservam uma força residual na meia-idade, mas mais tarde parecem, se não confrangedores, pelo menos irrelevantes. Não quero dizer com isto que ela tivesse razão. Não há mal nenhum em ser um génio que consegue fascinar os jovens. Mas há qualquer coisa de mal nos jovens que não se deixam fascinar por um génio. E, aliás, não acho que a banda sonora de Um Homem e Uma Mulher seja uma obra de génio. Já naquele tempo não achava. Por outro lado, lembro ocasionalmente Ted Hughes e sorrio pelo facto de, na verdade, ele nunca ter ficado sem animais.
Dou-me bem com Susie. Quer dizer, o suficiente. Mas a geração mais nova já não sente necessidade, nem sequer obrigação de manter o contacto. Pelo menos "manter contecto" que implique "ver". Para o pai, um email chega - pena ele não tenha aprendido a mandar mensagens pelo telemóvel. Sim, já está reformado, sempre às voltas com pesquisas e aquele "projetos" misteriosos dele, duvido que alguma vez chegue a terminar alguma coisa, mas pelo menos conserva o cérebro em atividade, é melhor do que o golfe, e sim, contávamos passar por lá na semana passada, mas surgiu um imprevisto.

  Julian Barnes in " O Sentido do Fim ", Quetzal Editores, Lisboa, 2011, pp 66 - 68.
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03/01/12

" Sem dúvida, mas agora eu já estava habituado às minhas rotinas... "

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Nessa altura eu já tinha saído de casa e começado a trabalhar como estagiário em administração. Depois conheci Margaret; casámos e três anos depois nasceu Susie. Comprámos uma casa pequena com uma hipoteca grande; eu ia e voltava de londres todos os dias. O meu estágio transformou-se numa carreira longa. A vida foi passando. Um inglês qualquer disse uma vez que o casamento é uma refeição longa e sem sabor com o pudim servido como entrada. Acho que é excessivamente cáustico. Gostei do meu casamento, mas era talvez demasiado parado - demasiado pacífico - para me ser benéfico. Ao fim de doze anos, Margaret começou a andar com um tipo que geria um restaurante. Eu não gostava muito dele - nem da comida dele, por sinal - mas também não podia, não é? A custódia de Susie foi partilhada. Felizmente, não pareceu muito afetada com a separação; e vejo agora que a ela eu nunca apliquei a minha teoria sobre danos.
Após o divórcio tive alguns casos, mas nada sério. Contava sempre a Margaret quando tinha uma namorada nova. Nessa altura parecia uma coisa natural. Agora às vezes penso se seria uma tentativa de lhe causar ciúmes; ou talvez um gesto de autodefesa, um modo de evitar que a relação se tornasse séria demais. Também, na minha vida então mais vazia, arranjava várias ideias a que chamava "projetos", talvez para as fazer parecer exequíveis. Nenhuma delas deu nada. Também não interessa; nem faz parte da minha história.
Susie cresceu, e as pessoas começaram a chamar-lhe Susan. Quando fez vinte e quatro anos casou-se e acompanhei-a a uma conservatória do registo civil. Ken é médico; já têm dois filhos, um rapaz e uma rapariga. As fotografias deles que trago na carteira mostram-nos sempre mais novos do que são. É normal, eu acho, para não dizer "filosoficamente evidente". Mas damos connosco a repetir: "Crescem tão depressa, não crescem?", quando o que queremos dizer é: o tempo passa mais depressa para mim, hoje em dia.
O segundo marido de Margaret revelou não ser suficientemente pacífico: foi-se embora com alguém que se parecia muito com ela, mas tinha os cruciais dez anos a menos. Ela e eu mantemos uma boa relação; encontramo-nos em eventos familiares e almoçamos às vezes. Uma vez, depois de um copo ou dois, ficou sentimental e sugeriu que podíamos reatar. Já aconteceram coisas mais estranhas, foi o que ela disse. Sem dúvida, mas agora eu já estava habituado às minha rotinas e apegado à minha solidão. Ou se calhar não sou suficientemente extravagante para fazer uma coisa dessas. Falámos uma ou duas vezes em ir de férias juntos, mas acho que cada um esperava que o outro planeasse a reservasse viagens e hotéis. Por isso nunca aconteceu.

  Julian Barnes in " O Sentido do Fim ", Quetzal Editores, Lisboa, 2011, pp 60 - 61.
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02/01/12


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Recordo-me de um derradeiro presente de John. Foi no meu aniversário, 5 de Dezembro de 2003. Começara a nevar em Nova Iorque cerca das dez da manhã, à tarde já havia vinte centímetros de neve acumulada e esperava-se quase outro tanto. Lembro-me de que a neve tombara em avalanche do telhado de ardósia de Igreja Episcopal de São Tiago para a rua. O plano para nos encontrarmos com Quintana e Gerry no restaurante foi cancelado. Antes do jantar, John sentou-se junto da lareira na sala de estar e pôs-se a ler em voz alta para eu ouvir. O livro que estava a ler era um romance meu, A Book of Common Prayer, que por acaso ele tinha na sala porque estava a reler a fim de ver como é que algo resultava tecnicamente. A sequência que ele estava a ler em voz alta era uma em que Leonard, marido de Charlotte Douglas, visita a narradora, Grace Strasser-Mendana, e lhe dá a saber que o que está a acontecer no país que a família dela governa não vai acabar bem. A sequência é complicada ( era de facto a sequência que John tencionara reler para ver como é que funcionava tecnicamente), é interrompida por outra acção e exige que o leitor apanhe o subtexto do que Leornard Douglas e Grace Strasser-Mendana dizem um ao outro. "Caramba", disse-me John ao fechar o livro. "Não me voltes a dizer que não sabes escrever. O meu presente de aniversário é isto."
Recordo-me de que as lágrimas me vieram aos olhos.
Estou a senti-las agora.
Em retrospectiva, fora este o meu pressentimento, a minha mensagem, o nevão precoce, o presente de aniversário que ninguém mais poderia dar-me.
Restavam a John vinte e cinco noites de vida.

  Joan Didion in " O Ano do Pensamento Mágico ", Gótica, Lisboa, 2006, pp 171 - 172.
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01/01/12

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Pareceu-me, naquele dia, no quarto de Quintana no Presbyterian, quando li as últimas provas do Nothing Lost, que talvez houvesse um erro gramatical na última frase da passagem sobre J. J. McClure, Teresa Kean e o tornado. Na verdade, nunca soube as regras da gramática, e em vez disso sempre confiei no que me soava bem, mas havia ali qualquer coisa que me parecia que não soava bem. A frase nessas últimas provas rezava assim: " Era o mais próximo uma declaração de amor que J. J. era capaz de fazer." Por mim, teria acrescentado uma preposição: " Era o mais próximo de uma declaração de amor que J. J. era capaz de fazer."
Sentei-me à janela e fiquei a ver os blocos de gelo no Hudson, pensando na frase. Era o mais próximo uma declaração de amor que J. J. era capaz de fazer. Não era o género de frase que, caso a tivéssemos escrito, gostássemos que estivesse errada, mas também não era o género de frase, se fosse assim que a tivéssemos escrito, que gostássemos de modificar. Como é que ele a teria escrito? Que tinha em mente? Como a queria? A decisão ficou para mim. Qualquer escolha minha acarretaria um potencial abandono, se não traição. Foi uma das razões por que estava a chorar no quarto de Quintana, no hospital. Nessa noite, quando voltei para o meu quarto, comparei com as provas anteriores e com os originais. O erro, se é que havia um erro, estava ali desde o princípio. Deixei ficar como estava.
Porque é que hás-de ter sempre razão.
Porque é que hás-de ter sempre a última palavra.
Ao menos uma vez na vida, deixa andar.
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  Joan Didion in " O Ano do Pensamento Mágico ", Gótica, Lisboa, 2006, pp 146 - 147.
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