23/01/12

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   " Poema andado "


Não sou início mas fui mandado
para as mesmas árvores pacíficas
é de raízes a minha origem,
e de ar bom como a palavra flui
e me devora e até emudeço.
Fui guardado desde o início.

Não sou estanque eis-me junto
à morada em pudores fatigado
para atrair com a origem
a alegria de fiar a viagem
que me resta por herança.
Eis-me renque ao que é estanque.

Não sou o chão que se repete
em órbita de luz e sombra,
sou a tumultuária agrura
com que a noite pretende
provisionar a açoitada alma.
Que há que não permaneça chão?

Não sou a travessia mas o cansaço
e dói-me ser o derradeiro
visitante ruminando à sombra
do amanhã a consentida
ira que me nutre. Nunca finda
o cansaço nem a travessia.

Não sou as mãos que tenho talvez
lembre ainda um gesto puro,
calcografia de espantos
manietando as minhas margens
como cordas me prendendo.
Não tenho mãos para o que sou.

Conheço a luz desde o início
para testemunhar o mundo estanque.
Não sou caminho mas fui mandado
a preparar com minhas mãos
a travessia em que me prendo.
Eis-me gerado mas não feito amém.

 Oscar Bertholdo in " Molho de Chaves ", EDUCS - Editª da Universidade de Caxias do Sul,
Caxias do Sul, 2011, pp 84 - 85.
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