( Àquele menino iraquiano
a quem as bombas americanas
arrancaram os braços e as pernas)
Como afagarei eu a terra?
Com que mãos colherei flores na margem do canal, ou atirarei
pedras aos peixes nas tardes ensolaradas de Verão? Com que
dedos folhearei os livros sagrados? Aonde os braços com que
poderia apertar o ébano gigante no outro lado da praça?
Dizem os mais velhos que tudo era previsível, que o grande
cogumelo de Hiroxima continua ainda, agora com roupagens
de falso humanismo
Mas o que me espanta não são bem as mortes, as ocupações,
os desmembramentos. O que me surpreende, e o entendimento
me tolhe, é que eles consigam olhar de frente todas estas coisas
e que, apesar disso, falem; é que à noite, ilesos, regressem a
casa e, sorrindo, beijem a mulher, o filho, o cão. O que de
sobremaneira me espanta é a forma como adormecem: sem
pesadelos, apaziguados, pretensamente puros
Victor Oliveira Mateus, In "Pelo Deserto as minhas mãos"