Difícil a tarefa de apresentar Regresso, de Victor Oliveira Mateus, que o leitor tem ora em mãos. E difícil por dois motivos, em especial: primeiro, porque o seu autor, poeta que é, é sempre e em tudo avesso a definições; depois, porque, levando ao paroxismo certa tendência da poesia portuguesa, o livro é todo ele uma aposta, incondicional e sem reservas, na atualidade dessa tendência, a qual, esta sim, pode definir-se como "um não sei quê, que nasce não sei onde,/ vem não sei como, e dói não sei por quê", segundo o insuperável dístico de Camões.
Trata-se, pois, aqui, de amor e memória: e entre eles a poesia, a fazer de ponte, a mediar entre o que foi e o que está sendo. É um dos "grandes temas" de sempre, caro leitor, a que assim chamamos, de resto, não por outro motivo, senão apenas porque não passam. Como Ulisses, Ítaca e o tema do regresso.
O regresso de Victor, porém, tem mais de Santo Agostinho que de Homero: é antes um retorno a si mesmo, in te ipsum redi. E a poesia, para ele, é exatamente esse caminho de volta, de um presente precário a um passado diáfano, cujo resultado, ou efeito, no fim de contas, não é nem remissão, nem negação de si: mas a algo mais modesta, e sempre mais difícil, aceitação da precariedade de vida, e, nela, da diafaneidade do sujeito: "átomo de mim na mais aérea vastidão", diz o poema-título.
"E quem pode, com um dedo, apontar um aroma?", pergunta Rainer Maria Rilke, um dos poetas-filósofos por excelência, num dos mais belos versos dos Sonetos a Orfeu. É precisamente esse, não outro, o impasse que nutre, ou mais do que isso, que organiza, de um ponto de vista formal, Regresso, do poeta-filósofo Victor Oliveira Mateus. E já então o leitor informado poderá seguir a sutileza desse aroma, ora pelas ruas, ora no parque, ora num café de Turim. Não daquela, porém, senão de outra: uma cidade aérea e musical, onde as nossas certezas se desmancham, e onde as paixões, quando pulsam, estão "viradas para dentro".
Érico Nogueira in Mateus, Victor Oliveira. Regresso. Fafe: Editora Labirinto, 2010, pp 9 - 10.
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