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" Os casais amigos "
Quinzenalmente os amigos
entravam-nos pela janela e pousavam
junto aos pratos e às canções.
Uma faca abre a carne,
um copo abre a palavra.
Distraidamente os amigos
roçam as asas pela solidão,
uma ou outra fêmea alimentava as crias.
Durante catorze dias prospera-se
e neste dia seguinte olha-se o passado.
Pobremente os amigos
bêbados fumam charutos,
não sabem usar as palavras
senão para rirem.
Ainda assim é preferível
à solidão de uma esposa.
Agitadamente os amigos
esvoaçam de regresso às suas árvores,
o filho atravessa a sala
tem sono, agarra-se à mãe.
Sentados no sofá
já só pensam em amanhã.
Distantemente os amigos
adormecem na incómoda almofada
desse dia seguinte,
de costas virados uns para os outros.
Miranda, Paulo José. O Tabaco de Deus. Lisboa: Edições Cotovia, 2002, pp 14 - 15.
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