10/03/12

" depois soube que o tempo castiga/ um silêncio em silêncio, "

.
  " O Guardador de Palavras "

nunca fui só distância e entretanto
transmiti todos os meus lugares,
desde que o mundo é só água e palavras
e morro na iluminura dos olhos.
sempre cresci com pretensões
avulsas, vícios,
e as qualidades das metáforas.
um dia disseram-me que a morte
era um ciclo prévio, que os dons cristalizam
perfeitamente na memória
com auréola e senhora e a dor da confirmação.
nunca quis ser só distância,
sempre houve cavalos
seguindo em minha inutilidade prosperante,
palavras comprometidas com toda a imitação
de sentimento e bicho.
sempre me esvaziei da responsabilidade
de semear o meu tempo,
cresci ajoelhado, em constante
transmissão efémera, em constante
importância assintomática.
depois soube que o tempo castiga
um silêncio em silêncio,
e então comecei a guardar as palavras.

   Nené, Tiago. Relevo Móbil Num Coração de Tempo. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim Editora,
 2011, p 19.
.