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Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança ainda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais
e, se torna, não tornam as idades.
Razão é já, ó anos, que vos vades,
porque estes tão ligeiros que passais,
nem todos para um gosto são iguais,
nem sempre são conformes as vontades.
Aquilo a que já quis é tão mudado
que quase é outra cousa; porque os dias
têm o primeiro gosto já danado.
Esperanças de novas alegrias
não mas deixa a Fortuna e o Tempo errado,
que do contentamento são espias.
Camões, Luís de. Lírica Completa, Vol. II. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1980, p 194.
Notas de Maria de Lurdes Saraiva:
Saudades antigas, eternas, luzem sob a cinza do tempo inexorável e acenam com ilusórias esperanças. Mas o passado passou. E, ainda que o tempo pudesse tornar atrás, os anos vividos não se podem esquecer. Aquilo que o Poeta amou mudou tanto que é agora outra coisa. O tempo amargurou o gosto da juventude. A Fortuna hostil, o Tempo errado não permitem já esperanças de novas alegrias.
Publicado pela 1ª vez em 1598.
V. 3-4 - Cf. redondilhas "Sobre os rios que vão", 86-95: "Acha a tenra mocidade/ prazeres acomodados,/ e logo a maior idade/ já sente por pouquidade/ aqueles gostos passados./ Um gosto que hoje se alcança/ amanhã já o não vejo./ Assi nos traz a mudança/ de esperança em esperança,/ e de desejo em desejo".
V. 5 - anos, - no sentido de passado.
V. 6 - ligeiros - rápidos.
V. 7 - O sentido é talvez: os anos que entretanto passaram foram diferentes ( para cada um dos amantes).
V. 10 - dias - tempo.
V. 11 - primeiro gosto - primeiro amor.
V. 14 - espias - amarras, seguranças, apoios.
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