01/03/12

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  " O FALSO-SELF ou como passar ao lado da vida "

O falso-self seria uma estrutura aparentada aos estados-limite, entre a neurose e a psicose, a menos grave de todas e a mais próxima da neurose, que se refere, aliás, à relação com o mundo, de maneira geral. Para ser amado, será necessário "vender" a alma?
A dificuldade em tratar estes casos coloca questões específicas. São pacientes que parecem estar bem e que respondem à expectativa do analista, ao parecerem flexíveis e adaptáveis; aceitam as interpretações, fazem-nas funcionar neles e fazem associações articuladas que parecem confirmar as interpretações. No entanto, em profundidade, nada se modifica. Não há aprendizagem autêntica.
O problema complica-se porque o analista, habituado às resistências que os outros pacientes oferecem à tomada de consciência, arrisca-se a acrediar que tal paciente vai bem. Pode mesmo chegar a considerar a cura terminada e a separar-se dele (...)
Embora possamos encontrar falsos-self em todos os meios, entre os intelectuais e os artistas são mais numerosos. Com efeito, estes possuem rudimentos culturais que sabem fazer valer. Podemos, todavia, perguntarmo-nos se a nossa "sociedade espectáculo", que valoriza a mediatização, o reconhecimento e a avaliação públicos, não favorece este tipo de desvio psicológico (...). Não será que, nos nossos dias, a verdade é aquilo que a maioria pensa?
(...) O mundano, o dândi, o snob, assim como o frívolo, ou mesmo a star são semelhantes no sentido de manterem uma ligação especular: os olhos dos outros reflectem-lhes, como um espelho, aquilo que desejariam ser. A imagem no espelho parece mesmo mais importante do que a maneira como o indivíduo se considera. Narciso reconhece-se numa nascente de água pura, que foi procurar para acalmar a sua sede. Ora, o amor por si, que faz nascer esse instante de autocontemplação, condu-lo à inanição. Não querendo turvar a sua imagem, não consegue decidir-se a beber daquela água.
Personagem garrida, o mundano apercebe-se perfeitamente do que os outros pensam, fazem e dizem. Admira as pessoas célebres e de condição superior; um pouco como o fetichista, é atraído pelo à-vontade social, por todos aqueles que parecem não ter sofrido castração. As suas maneiras são civilizadas(...) De facto, os mundanos são, ao mesmo tempo, exibicionistas - gostam de se mostrar em todo o lado - e voyeuristas - não participam do mundo, vigiam-no. Isto traduz um combate entre uma angústia existencial e um insuportável sentimento de solidão. Ao mesmo tempo, conservam uma admiração sem mácula pelas mães, mulheres "maravilhosas", "dignas", "eficazes", e dissimulam no seu discurso o lado desagradável ou trágico das coisas.
(...) O mundano perscruta o seu mundo para saber se este o olha. Idolatra-o, na condição de, em troca, ser também, idolatrado. Porém, se o mundo lhe vira as costas, o mundano gritará de dor e a mascará cairá, para deixar aparecer o vazio..
O dândi veste-se de forma estudada, enquanto o snob imita, sem discernimento, os gostos e as maneiras das pessoas "distintas". De origem modesta, deixa por vezes transparecer maneiras simples, até mesmo vulgares. Em resumo, o lado exibicionista, sobranceiro e inadaptado, encontra-se presente tanto no mundano como no dândi (...).
Para concluir, sublinhemos o parentesco entre mundanidade e perversão moral. Os aspectos exibicionista, voyeurista e fetichista confirmá-lo-iam (...) E talvez também na grande solidão: embora desejando ardentemente uma inserção social confirmada, o falso-self, o mundano e o dândi nem por isso deixam de ser grandes solitários.

  Alberto Eiguer in " Pequeno Tratado das Perversões Morais ", CLIMEPSI Editores, Lisboa, 1999, pp 23 - 33.
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