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" Excerto de um diálogo entre Inês de Castro e sua ama "
CASTRO
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Não lhe apagou o amor a nova esposa;
Não o tão festejado nascimento
Do desejado parto: antes mais vivo
Co tempo, e co desejo ardia o fogo.
Que fará? se o encobre, então mais queima.
Descobri-lo não quer, nem lhe é honesto.
Mas quem o fogo guardará no seio?
Quem esconderá amor, que em seus sinais
A pesar da vontade se descobre?
Nos olhos, e no rosto chamejava.
Nos meus olhos os seus o descobriam.
Suspira, e geme, e chora, a alma cativa
Forçada da brandura, e doce força,
Sujeita ao cruel jugo, que pesado
A seu desejo sacudir deseja.
Não pode, não convém: a fúria cresce.
Lavra a doce peçonha nas entranhas.
Os homens foge, foge a luz, e o dia.
Só passeia, só fala, triste cuida.
Castro na boca, Castro n' alma, Castro
Em toda parte tem ante si presente.
Ele à mulher cuidado, eu ódio, e ira.
Arde o peito a Costança em furor novo.
Nem me ousam descobrir, nem vedar nada.
D' antiga Casa Castro em toda Espanha,
Já dantes do Real ceptro deste Reino
Por grande conhecida, inda meu sangue
Do real sangue seu tinha grã parte.
Mas inda à natureza dobram força,
Arte ajuntando, e manha: el-Rei ao neto
Por madrinha me dá, comadre ao filho.
AMA
Cegos, que quanto mais vedam, mais chamam.
Cresce co a força Amor: e o que à vontade
Se faz mais impossível, mais deseja.
CASTRO
Em fim, fortuna, que me já chamava
Esta glória tão grande, quebra o nó
Daquele jugo a meu amor contrário.
Leva ante tempo a morte a Infanta triste.
Herdo eu mais livremente o amor constante,
Que a mim se entregou todo, e todo vive
Na minh' alma, onde está seguro, e firme,
Já com doces penhores confirmado.
(...)
Ferreira, António. Castro e Poemas Lusitanos. Lisboa: Verbo Clássicos, 2006, pp 231 - 233.
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