04/03/12

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O psicopata (...) O que o caracteriza é a passagem ao acto impulsiva, que não seguida de sentimento de falta, frequentemente como resposta a uma insatisfação mal tolerada. O seu domínio preferido é a acção em detrimento do afecto e do pensamento, que estão empobrecidos. De cada vez, o acto reproduz as mesmas características: é súbito, brutal, acompanhado de gritos e de outras violências. É pouca a distância entre a pulsão e a sua expressão comportamental, na ausência de verbalização e simbolização suficientes para permitir a sua elaboração. Com efeito, o psicopata procura livrar-se de uma tensão interna que o persegue desde a infância, e encontra na motricidade uma descarga imediata possível(...) Se se sente rejeitado, pode encontrar aí o meio de suscitar uma reacção social e fazer com que se ocupem dele (...)
Não é raro a infância precoce dos psicopatas ter sido marcada por abandonos e carências graves. A criança foi levada a exprimir-se com violência para se fazer ouvir por aqueles que cuidaram dela.
(...) Todavia, a avidez afectiva do psicopata só se traduz em pedido de amor de forma inadequada. Ele não procura aproximar-se dos outros para tirar prazer de um contacto caloroso. As suas relações sociais permanecem superficiais, e ele pouco se implica. Tem o hábito de abandonar facilmente as suas relações sem pena aparente.
(...) No psicopata, a sociabilidade sincrética e a sociabilidade por interacção são muito limitadas. A adesão às relações íntimas é por isso difícil (...) O seu espírito é animado por sentimentos de inveja e um forte rancor. Tem com frequência a impressão de que o privaram de qualquer coisa, o que coincide com a realidade. Esta reivindicação é tanto mais profunda quanto ela é não consolável. Nenhuma "reparação" surgida depois poderá compensar os estragos sofridos durante a primeira infância. É a privação de base, sublinhada por Winnicott.
Se o psicopata não consegue sentir-se culpado das suas exacções, é porque nunca se sentiu implicado numa ligação "responsável" face a um outro ou a si mesmo. A ausência de uma ligação materna fiável e durável acabou por fazer diluir nele, e depois desaparecer, a "pulsão primária de amor", observa Winnicott. "Para ser alguém é preciso ser amado", acrescenta ele.
(...) Estas observações aplicam-se igualmente aos psicopatas que vivem e agem como comandados por um relógio. Estes delinquentes organizam o seu delito de forma muito precisa e com sangue-frio como se estivessem debaixo de intensa coacção interna. A sua moral é formal e não é marcada pela reflexão, mas apenas por imperativos de obediência e de tranquilização destinados à sua salvaguarda (...) teme o aborrecimento, a monotonia, que o confrontam talvez com uma angústia insustentável. Por outro lado, o tédio abre o acesso patológico e fecha-o ao mesmo tempo. Porquê? A frustração e a impossibilidade de experimentar tristeza, sentidas como um verdadeiro estrago, conduzem o sujeito à busca de aventuras, para se sacudir...
O tratamento recebeu um novo alento a partir da altura em que a Justiça começou a colaborar com os psicólogos e os psiquiatras (...) Foram levadas a cabo terapias individuais e familiares destinadas a adolescentes com dificuldades, a delinquentes potenciais ou condenados (...) o paciente aceita o tratamento unicamente porque este foi prescrito por um juiz e ele espera assim obter uma comutação da pena. Mas mesmo assim é possível encarar um verdadeiro trabalho dirigido ao inconsciente, e vir a instalar-se uma confiança autêntica entre psicopata e terapeuta (...) Um longo período de provas precede o verdadeiro trabalho. Estes pacientes são sensíveis às ambiguidades, ao excesso de sedução, às aitudes esperadas. É pois necessário evitar entrar em considerações pedagógicas, já que o paciente se considera vítima duma injustiça que espera uma "reparação".
Daí que tenhamos de nos prevenir, na terapia, contra atitudes demasiado reparadoras, que não fariam mais do que ferir o paciente(...) É muito mais importante escutar o paciente, aprender a sua angústia, do que "pretender corrigir" um passado de carâncias. O que, de resto, é válido em relação a qualquer paciente.

 Eiguer, Alberto. Pequeno Tratados das Perversões Morais. Lisboa: CLIMEPSI Editores, 1999, PP 79-95.
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