21/01/09


"Y MI CUERPO?"

Me acerco
y no veo ninguna ventana.
Ni aproximación ni cerrazón,
ni el ojo que se extiende,
ni la pared que lo detiene.
Me alejo
y no siento lo que me persigue.
Mi sombra
es la sombra de un saco de harina.
No viene a abrazarse con mi cuerpo
ni logro quitármela como una capota.
La noche está partida por una lanza,
que no viene a buscar mi costado.
Ningún perro esmalta
el farol sudoroso.
La lanza sólo me indica
las órdenes de la luna
haciendo detener la marea.
Es la triada del colchón,
la marea y la noche.
Siento que nado dormido
dentro de un tonel de vino.
Nado con las manos amarradas.

José Lezama Lima In "Poesía", Ediciones Cátedra,
Madrid, 1992, pp 388-389.

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20/01/09


"Uma vítima da retórica"
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Tua ausência me enfeitiça e renasces
como uma fraude por repetidas noites.
Pressinto a espreita dos gemidos pegajosos:
teus lábios sempre no limite. Nada em mim
jamais esteve a salvo de tua voragem.
Quando me encontraste eu estava louco.
Recolhia pequenos pássaros congelados
e mascava seus vôos em rituais de pranto.
Tu me deste a efígie negra de teu ser,
como um último recurso e livre rota celeste
por entre deuses, desertos, misérias, nomes
Moí o vazio à procura de como empregá-la,
a imagem lutuosa de teu afastamento.
Percorri os círculos brancos da memória,
com suas bestas cochichando ardilezas,
até que não houvesse mais noites em mim
sem a tua nudez invisível: falso terror
com que me golpeias o vôo cristalizado
dentro dos pássaros que se foram comigo.
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Floriano Martins (Inédito).
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( Tradução para castelhano de Susana Giraudo:
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Tu ausencia me hechiza y renaces
como una fraude por repetidas noches.
Presiento el acecho de los gemidos pegajosos:
tus lábios siempre en el limite. Nada en mí
jamás estuvo a salvo de tu vorágine.
Cuando me encontraste yo estaba loco.
Recogía pequeños pájaros congelados
y mascaba sus vuelos en rituales de llanto.
Tú me diste la efígie negra de tu ser,
como un último recurso y libre ruta celeste
por entre dioses, desiertos, miserias, nombres.
Moli el vacío buscando cómo emplearla,
la imagem luctuosa de tu alejamiento.
Recorrí los círculos blancos de la memoria,
con sus bestias cuchicheando ardides,
hasta que no hubiesse para mí más noches
sin tu desnudez invisible: falso terror
con que me golpeas el vuelo cristalizado
dentro de los pájaros que se fueron conmigo.)
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Nota - o poeta e ensaísta brasileiro Floriano Martins é,
como muitos sabem, um dos responsáveis pela célebre
"Revista Agulha", agradecemos-lhe o envio de alguns dos
seus poemas (e respectivas fotos) para os podermos publicar
aqui. Bem-haja!
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18/01/09


"As pessoas sensíveis"


As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
" Com o suor dos outros ganharás o pão."

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.

Sophia de Mello Breyner Andresen In "Antologia", Moraes Editores,
Lisboa, 1975, p 195.

(Nota - este poema faz parte de "Livro Sexto", 1962).
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16/01/09


"Auto da Horta Destruída"

Que triste, país, é a moral
da fábula campestre
que longos séculos nos deste
a ler - frautas e penhas,
arroios e fráguas, acaso
aproveitaste, pastor? Acaso,
velho, te acharás menino
a caminho da horta depois
de abertas as comportas?
Quem te virá demandar
cheiros pera a panela?
Ficas viúvo, país, até que falem
de novo os animais, o teu luto
dá pelo nome de turismo rural.
Fábulas contadas, sobra
a metade mais salgada
e pífia de Portugal:
a banhos vai, com espuma
e crescidas ondas pela cinta avança
mas perde o pé, e às arrecuas
se firma no cómico areal,
veleiro roto, crustáceo,
heróico baixio, obesa
prancha ocidental.

Rui Lage In "Corvo", Quasi Edições,
Vila Nova Famalicão, 2008, p 13.
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(Nota - Como vulgarmente sucede a foto não
foi tirada do livro, mas do Blogue "Textualino"
do escritor Carlos Vaz. Ela será imediatamente
retirada caso algum dos dois autores mo diga...)
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14/01/09



deram-me um espelho onde me queimei
integral e semente

atravessava vultos corredores do tempo
mas só a sede me vivia

a criança que corre pelo outono
só deseja a morte
gosto de areia é a memória
vai cegando de coisas irreais
famílias de divisas actos de passagem

um rosto devorado pelas invasões
com a sede a diluir-lhe o corpo
cadáver absoluto nas vizinhanças da
dor que Deus doía

Pedro Sena-Lino In "deste lado da morte ninguém responde",
Quasi Edições, 2008, p 32.
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11/01/09



"para voltar ao princípio do mundo"


sei de uma mulher
que penteava os cabelos ao sol
porque tinha no pensamento uma flor

sei que os lavava ao luar
porque tinha no coração uma corola

com a boca mordia o ar
e prendia os vestidos ao vento

era uma mulher sentada numa pedra
coroada por um lírio salgado na fronte

um dia
cortou os cabelos
atirando-os um a um ao mar

disse: tece-me

e o mar inclinou-se por dentro
para tecer

o poema


Maria Azenha In "A Chuva Nos Espelhos", Alma Azul,
Coimbra, 2008, p 9.
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10/01/09




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"Antinoo"
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Tu nariz pensativa sostiene la balanza de tus hombros,
tan breve el balanceo quedaron en el fiel diestra y siniestra.
Dentro está el péndulo
dispuesto a señalar con su parada el perfecto equilibrio,
dispuesto a detenerse en el instante
en que comienza lo que no termina.
Tu nariz pensativa, meditativa y contempladora
de ti mismo,
de su último aliento se despide.
En él tu juventud, épico aroma!
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Rosa Chacel, "Poesia (1931-1991)", Tusquets Editores,
Barcelona, 1992, p 173.
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09/01/09


"Canção de graças"

Estou-te grata por não me protegeres
por não te ter quando de ti preciso
por não seres firmamento para a Ursa Menor
nem bengala e bastão para me defenderes.

Por cada pontapé te estou agradecida
que me faz avançar para mim
no meu caminho. Tenho que o andar só.
Estou-te grata. Facilitas-me a vida.

Estou-te grata pela tua cara linda
que para mim é tudo e nada mais.
E também por não ter que agradecer-te
senão este poema e alguns outros ainda.

Ulla Hahn In "A sede entre os limites", Relógio d'água,
Lisboa, 1992, p 61.
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08/01/09

Nature Boy In "Someone Special" album de Max India, British Library,
London, 1988.


"Isso é que era uma vida!"


Faço o meu ninho na axila
do homem com o elmo de ouro. Se ele anda
eu imóvel ando também. Se ele dobra
o corpo eu em pé faço o mesmo.
Se ele come o pão com o suor do seu rosto
eu perturbada pelos aromas deito-me-lhe
debaixo do braço viril.
A sua conversa Sim Não é obviamente sempre
a minha. Não semeies não colhas: Para quê
se ele me dá de comer e vestir! E
nada mais exige em troca do que a sua dose diária
de rosas sem espinhos lhe teço a coroa
chilreando à volta da divina cabeça.

Ulla Hahn In "A Sede Entre Os Limites", Relógio d'Água,
Lisboa, p 31.
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06/01/09

 
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O desejo é um desastre que se vai
acumulando silencioso à sombra
de oliveiras interiores. Arte lenta,
essa que vem de longe: o ofício das ondas,
a sedução do corpo pelas rotinas do dia,
e tudo canta.
O corpo vazio, em Delfos, foi abrigo
das estrelas; um lugar invisível onde,
sendo cego, me deixei banhar em águas
primeiras. Para tudo ver. E vi o tormento,
mais amplo do que o desejo: e desejei morrer,
e morri, nas tuas sedas mais íntimas.
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Casimiro de Brito, In "Livro das Quedas" (Fragmento VIII do Poema 55),
Roma Editora, Lisboa, 2005, p 75.
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" AMOR"


Te amo como a mi madre,
te amo como a la Hélade,
lucero verde
suspendido encima de mis noches!

Mis pensares arrancan de tu nombre,
mis pensares acaban en tu nombre,
cinto de fuego de mi pensamiento,
estrecho como anillo de esponsales,
inmenso como anillo de Saturno.
Oh compañero alado,
oh espejo límpido!


Pandelís Prevelakis In "Poemas (1933-1945)",
Ediciones Kyklades, Barcelona, 1986, p 15
(Tradução do grego para o castelhano a cargo de
José Ruiz e G. Varlamos).
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05/01/09


"África, mulher - mãe de consistência"


África
Que o teu criador não te fez à semelhança de nada
África
Generoso enigma da razão solta
Quando antes da partida já meu corpo se quedava
África
Meu ciclo de esperança
Minha sedutora ladra que me roubaste de mim
Para me levares às essências
África
Renovadora incessante do desejo
Extensão sólida, miragem real
Com que critério viver-te?
África
Minha emergência de reconciliação
Meu grande olhar iniciático
Às tuas formas adiro e descalça
Obedeço ao teu pulsar
África
Meu coração central
Tua receita secreta
Aventura de mim a ti a erguer-se do nada
África
Meu frágil dormir
Quando teus sons próximos e longínquos
Me dão a ilusão do silêncio
Enquanto os bichos homens, bichos mulheres
E bichos por superioridade
Feitiçam tuas noites e fortes cheiros
Ai! África mulher-mãe de consistência
Tua lei, minha morte satisfeita
África
Sem intervalo
Melodia lavrada à extensão de perder de vista
Iluminura na bíblia dos meus dias
E sempre novas maravilhas atiçam
Danças de alquimia ao fogo
OH! África
Conclusão do meu destino
Recorte do meu corpo
Espírito exposto ao tempo próprio
Começo sem limites onde já descanso meu cansaço
África
Das cores fortes com nome
Ser tua amante sob as luas
É saciar minha avidez chamada mundo
OH! África
Das trovoadas que rebentam em partos de vida
Universidade inesgotável de saberes
Deixa que enfim
por mim mesma
Evoque o imperativo de me aceitares
Um pouco
tua.

Teresa Vieira (Inédito - 1999?)
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03/01/09

"se o pulmão fora pétala e a rosa um campo minado
e a casa o coração da música serias tu o meu sul na volátil geografia do caminho certo. se nada
nos distraísse da miséria e das patas sobre o corpo e dos segredos irredutíveis numa página de
temperatura gelada serias o meu sentido único sobre as cinzas.

mas estamos aquém. como cidade sobre estacas ardidas. e deslizo-te.
como rio ao contrário. reacendo as artérias que te ascendem aos ombros. como matéria assisti-
da de símbolos vibráteis. serpentes e asas. peixes voadores no arvoredo dos teus lábios.
pequenos e dóceis os intervalos sucedem-se na tensa harmonia dos teus olhos de bambu.

lá fora o vento é montanha e águia. aqui sou uma prece. e prendo-te com ganchos de plátanos.
assim fora eu o pulmão da terra interior. da água mais pura que o esforço de mudar-te a foz.
é tão feroz a mão que nos escreve. o fundo.

PRESUNÇÃO DE LÁGRIMA LUMINOSA, IGNORO TODOS OS TEXTOS que não sejam de
prados movediços. pétala a pétala recupero a simetria do in.divino.
e
espero. o outro dia."

Isabel Mendes Ferreira

(Nota - agradeço à poeta Isabel Mendes Ferreira a autorização
que me deu para publicar este seu texto).
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01/01/09

Foto de Daniel Magnin


"Nascimento"

A mão tocou no rosto: fê-lo para que assim pudessem os olhos
ver finalmente como é todo o espaço que existe
a partir dela. Depois, foi o rosto que tocou nas mãos
para estas saberem o que as limita. Faltava ainda
um nome, apenas o ruído límpido de uma voz
cuja origem se desconhece, a sua tranquila surpresa.
Pronunciá-lo-emos finalmente. Não é o princípio de tudo?
Tu podes esquecê-lo, porque nas tuas vestes a noite desce e hás-de esconder
no próprio sono esse corpo que chegava da luz, apenas vestido
pelo que parece ser o nosso sangue. Espera um pouco. A quem
podes levar agora o primeiro alimento, aquele que recebeu a forma
de uma folha? O que vês? Tudo se torna simples
ao esperares a palavra que não pertence a ninguém porque continuas
sozinho. Talvez ela seja uma promessa ou o que ficou
do que para os outros era uma despedida. Vês um caminho: estendes
para o chão um dos braços para te aproximares mais do seu calor,
dessa luz espalhada agora à tua volta. Compreendeste melhor
o sentido de cada gesto que fazes, a maneira de tocar
numa coisa só para que fique idêntica a si mesma. Será
isto suficiente? Procura dentro de ti o que falta para assim receberes
o que podia ser uma primeira dádiva. Outras raízes
finalmente nascem.

Fernando Guimarães In "Limites para uma árvore",
Edições Afrontamento, 2000, pp 30-31.
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