29/06/12

" je me nourris de cette insatisfaction/ que l'on nomme parfois lucidité "


  " Art farouche "

Dans le poème j'ai fait mon lit
il attendait que je m'endorme
murmurant à mon oreille:
je suis une maison vide
plutôt qu'une couche douillette
une construction qui s'effondre
plutôt qu'un rêve insignifiant

Lui qui se fait appeler poème
possède des capacités volatiles:
il se dresse debout devant toi
dans son évidence de toujours-déjà-là
puis lorsque tu décides enfin de t'en emparer
il disparaît hors de portée

Le poème me dis-je il faut que tu l'habites
ce que tu lui as donné il ne te le rendra pas
comme la maison délabrée
où peu à peu tu as dressé ton lit
tu y as déposé ta vie ensuite tu es parti
ailleurs où était encore une autre vie
non pas la même continuée
mais la vie différente celle qui roule
alors que dans le poème tu l'arrêtes
et tu la figes et tu condenses la fureur
le mouvement le temps décomposé en humus
par où l'autre vie s'échappe
et grouille et séfface de trop peu d'outil
celui fruste et parfait qu'est ta main
que guide ton cerveau lui-même relié
à ce que l'on ne nomme pas l'innommé
le poème tu le forges rien n'est donné
dans l'espoir qu'un jour quelqu'un s'y attarde
et ce que tu as réalisé te ressemble
c'est là sa particularité sa part d'attracteur étrange
alors il te faut chercher toujours chercher
ne jamais t'arrêter ou laisser en l'état
surtout ne pas te répéter
bien que tu reviennes sans cesse sur tes pas
c'est la forme qui compte et qui raconte
fût-elle informe à ta façon
chez lui aujourd'hui n'a pas de sens
chez lui c'est toujours demain
pourtant après bien des années
et tellement d'échecs
( peu importe pour celui qui lit
qui dans le poème fait son lit
les tentatives valent autant
que d'authentiques satori)
tu tentes de nommer ton art
un mot qui ne doit pas t'effrayer
moi j'ai dit antipoème poésie sauvage
pour définir le mystère
ce qui m'échappe et me rassemble
je me nourris de cette insatisfaction
que l'on nomme parfois lucidité
jusqu'à ce qu'advienne la vérité d'aujourd'hui
qui sera sans doutte différent demain
de sauvage mon poème tenait
ce que tient l'animal
celui qui n'est pas domestiqué
que tu approches et dont tu ne disposes pas
qui se laisse caresser mais avec réticence
mon poème est rugueux violent dans la retenue
mon poème est insoumis
fleuve au cours tourmenté
il ne coule pas de source
tu dois accepter ses caprices
raison pour laquelle je le nomme farouche
et pour revenir à la maison que tu habites
ces ruines que tu as relevées à ton usage
ainsi qu'a celui de certains visiteurs
veille simplement à laisser la porte entrouverte
afin que le passant qui rôde dans les parages
puisse la pousser si l'envie lui prend
en général je m'en tire par une pirouette
ici cependant je n'en ferai rien
j'ai posé mon art farouche
et dans cette direction je m'en vais
à moins que je ne dévie sur le chemin
vers une autre vérité du lendemain
puisque la vérité
est la pire forme du mensonge.

  Delaive, Serge. Trois poètes belges. Neuille-lès-Dijon: Éditions du Murmure, 2010, pp 79 - 81.
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27/06/12



 " Poema 7 de Completas "


Sinal algum me será dado antes
de conhecer o que na Terra deve ser ligado
ou não, e a ninguém seja contado
que O que veio não foi reconhecido.

  Vieira, Vergílio Alberto. Amante de um só dia. Porto: Livros de Horas, 2012, p 79.
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 " Poema 3 de Noa "


Ao que fez água brotar,
da terra árida, para me dessedentar,
e abriu caminhos no deserto,
para me prevenir do cardo e da serpente,
chamei pelo Nome, e Ele de mim
não desviou o rosto indivisível.

  Vieira, Vergílio Alberto. Amante de um só dia. Porto: Livros de Horas, 2012, p 51.
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 " Poema 7 de Tércia "


Em louvor da figueira estéril,
que frutificou, sem por ela ter passado
o vento, da boca fiz túmulo;
do coração, abismo.

Vieira, Vergílio Alberto. Amante de um só dia. Porto: Livros de Horas, 2012, p 31.
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26/06/12

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  " Miragem "


Somos ficção
Simulamos o invisível
e a imagem

no reflexo
do espelho - ali nada há
como nada somos

Onde encontrar
a verdade
ou a real essência

desses fantoches
de nós mesmos
se os mistérios

não estão em lugar
mas no que mais fundo
escondemos?

  Bresciani, Alberto. Incompleto Movimento. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2011, p 104.
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" Metamorfose "


Era seu rosto
um campo de trigo
e manso se entregava
ao passeio da boca

Braços me protegiam
e enlaçavam
e devolviam ventos
que ninguém sentiu

Desdobrava-se
o seu consentimento
e sem proposições
uma supernova em mim

Talvez reencontrasse o destino
respirasse sem deformidades
talvez fosse apenas como voltar

E já não chovia
E era tão bom.

  Bresciani, Alberto. Incompleto Movimento. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2011, p 65.
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  " Ficha "

  I

Aquilo nem
era verdade

não era nem
segredo

 II

Só buscava um
abrigo

Nenhuma
a final substância

só imaginada
por sob

Onde não
havia sequer

 III

Tirei os pontos e
algo em mim

falou, tinha
corpo e era sol.

  Bresciani, Alberto. Incompleto Movimento. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2011, p 38.
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25/06/12


 " A Tradição Não é Um Passado a Cheirar a Mofo "

                                                por  TERESA MARTINS MARQUES


No canto V da ILÍADA Homero coloca frente a frente o guerreiro aqueu Diomedes e o troiano Glauco prestes a iniciarem um combate, que acabará por não se realizar ao descobrirem que um antepassado de Glauco fora hóspede de um antepassado de Diomedes. Em vez de combaterem, preferem os guerreiros trocar as armas como prova de amizade que não será, todavia, recíproca dado que Diomedes ludibria Glauco oferecendo-lhe as suas armas de bronze em troca das de ouro do troiano. Antes de se identificaram mutuamente, notando Diomedes a extraordinária coragem de Glauco, põe a hipótese de o seu contendor ser um ente divino, o que tornaria o combate desigual. Querendo esclarecer tamanha dúvida, pergunta Diomedes:

" Quem és tu entre os homens, entre os homens mortais?/ Apenas sei que a todos te excedes em coragem. (...)/ Ou acaso pertences ao número dos divinos?/ Ah! Sendo assim, desisto de combater contigo".

Como resposta àquela pergunta, diz Glauco:

" Que importa, Diomedes, qual a minha linhagem?/ A geração dos homens é igual à das folhas,/ se o vento arranca algumas e no chão as espalha,/ ao vir a Primavera logo nascem outras./ E dos homens diremos que são como a folhagem..."

Aquela imagem de Homero, se por um lado afirma a morte como inevitabilidade - os homens caem no seu próprio Outono -, afirma também a certeza da vida como esperança que se alcança em cada renascimento - primavera do ser humano. E, se "dos homens diremos que são como folhagem", dos temas e motivos literários diremos que são como os homens e como a folhagem: passam e ficam. É Jacinto Prado Coelho quem nos diz:

" A literatura é o domínio do instável, miragem de eternidade que paira sobre a corrente dos anos e dos séculos. Um absoluto à escala humana: fica e passa."

A literatura passa e fica ao constituir-se tradição que é passado presentificado em cada nova leitura que daquele pretérito extrai novos efeitos pessoais. Somos um haver da morte, nós e o que é nosso, já que somos transitórios, isto é, estamos em trânsito de um espaço-tempo antes - a escala evolutiva das plantas, do homem, da tradição literária - para um espaço-tempo agora - que rapidamente se torna espaço-tempo-depois.

O conhecimento, a qualquer nível que o consideremos, faz parte de quem conhece e tal como o ser humano, também este é inevitavelmente transitório, sendo indefinível, porque a cada momento se represent(ific)a tornando-se tradição civilizacional, memória do conhecimento da humanidade. Memória que não se apresenta como simples e linear sucessão de épocas, interligando-se de forma a que o presente condicione o passado transcorrido, modificando a leitura que dele se faz no presente. Por isso esse passado-memória-civilizacional torna o ser humano infinitamente rico, já que é património cultural acumulado que lhe deu lastro intelectual, mas também infinitamente pobre, impedindo-o de pensar como nunca ninguém antes pensou. Aquilo que chamamos invenção, inovação em qualquer ramo do conhecimento é ínfima gota de criatividade individual que só existe como gota, porque é produto do mare magnum da cultura que lhe permitiu existir como gota e foi acumulada por sucessivas gerações.

Porque o conhecimento passado permite o conhecimento presente, nunca aquele é verdadeiramente passado nem este verdadeiramente presente. Sem Newton não teríamos Einstein. Sem Homero não teríamos Virgílio e Camões. A literatura, sendo conhecimento, não foge à inevitabilidade de ser morte que vivifica, de ser tradição que gera inovação. A obra de arte encontrará a sua autenticidade tornando-se experiência, transformando aquele que a experimenta numa interacção dialéctica, condição de comunicação e de significação, numa palavra - interpretação de uma tradição que passa e fica como documento, mas também como monumento.

Temos hoje consciência de que a tradição não existe para se venerar, mas para se conhecer. Só esse conhecimento possibilitará a criação duma nova significação, elo de uma cadeia que, não sendo já o passado, é também o passado, em translação de sentidos, corrente viva de valores em devir, como a água do rio de Heraclito, como a folhagem do bosque de Homero.
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Nota - agradecemos à Profª Drª Teresa Martins Marques da Universidade Clássica de Lisboa ter-nos dado a sua autorização para que pudéssemos postar este seu inédito.
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23/06/12

( Nota - alétheia : verdade in "Termos Filosóficos Gregos" de F. E. Peters, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, p 29.)


 " Aleteia " ( Poema III de Tríptico )


Dizia coisas que poucos entendiam.
Dormitava em tugúrios temidos
por muitos. Sentava-se na ponta
do beco a cortar as cabeças aos santos.
Trocava-as: santa Rita cravada de setas,
são Expedito de olhar lúbrico
e laços de organdi. Mas Aleteia rezava
sim: olival adentro, pelo meio das


searas, enquanto via o descarregar
dos porcos ou dava migalhas
aos pássaros. Eu também fugia
dela, mas sem medo ou motivo.
Certa vez encontrou-me, sozinho,
de vergasta em punho a afugentar
os gansos. Chega aqui!, e eu,
de cima dos meus calções cada


vez mais curtos, empinei-me
para que me visse melhor.
Se eu andava perdido, perguntou-me.
Que não, não senhora! Aleteia
sorriu e beijou-me a face.
Continuou o seu caminho. Desde
esse dia nunca mais a encontrei.

  Mateus, Victor Oliveira. Meditações Sobre o Fim, os últimos poemas (Organização: Maria Quintans). Lisboa: Hariemuj Editora, 2012, p 212.
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22/06/12


 " Antígona " ( Poema II de Tríptico )


Talvez preferisses gritos, súplicas
ou - quem sabe? - que rasgasse
as vestes e me desfizesse. Mas, temível
Creonte, eu tenho a experiência
de quem não cede, de quem percorre
os trilhos das margens e apenas ouve
o antigo saber da terra, o único a quem
vivos e mortos pertencem
e nos fervilha nas veias sem sabermos
como nem porquê. Podes, ó hábil,
misturar as palavras, confundir
as frases em discursos e experimentos
de glória... Mas a tua glória não passará
de um mero nome, e mesmo esse
com tantas dúvidas à mistura;
a tua glória - pequena barca
de pergaminho a apodrecer nas praias
jónicas. És nada, ó ridículo mensageiro
do novo!, e máscara alguma acrescentará
essa imensidão de nada, que jamais
conseguirás dissimular. Poderás perseguir,
infamar, convencer até outros
a que o façam também, mas
nunca iludirás o imperturbável
movimento do grande ciclo, esse
onde os deuses cobram todos os gestos
segundo a ordem do tempo; local
onde nos movemos: breves,
banais... e talvez dispensáveis.

     Mateus, Victor Oliveira. Meditações Sobre o Fim - os últimos poemas ( Organização: Maria Quintans). Lisboa: Hariemuj Editora, 2012, p 211.
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21/06/12



Queria ser o teu pátio e a tua lua. Queria preparar, numa pira de poções, mandrágoras, elixires, encantamentos, feitiços, esconjurações, as longas sendas do extravio e da ternura, queria abrir atalhos, veredas, coordenadas de maio a maio, afluentes, regatos, estradas que jamais conduzirão ao mar, eu sei. E, embora sabendo, não vacilarei, serei como a inquebrável fibra dos vimes, pensarei sempre em ti, meu irmão, meu querido assassino, e ajoelhada junto à fonte, sem interpelar os homens, a sua vã glória, o seu desaire, gota a gota, traço a traço, desenharei sobre o pó uma cicatriz, para que ao descer a águia saiba como perdi aquele que amei.
Revolvo a lama, os montículos, as raízes, convoco os gansos, os cisnes, as garças vermelhas, talvez a caminho do sul, mas antes e no fim, existem apenas as cavernas, os ossos, o templo dos cem tigres, o gelo e o degelo, a estepe interminável, o pântano, um bote, dois remos, e eu entre as margens, abrindo os cofres, movendo os dedos. Antes e no fim existe apenas o fim. Mas tu não entendias nada, frágil duende das flautas verdes.
Respiro, parece que respiro sobre o teu ombro, agora que estás deitado. O mel espesso das colmeias que sempre descuidei, transborda nos vasos abandonados, no barro cozido onde a tua amargura se perfila.
Que animais da sede virão beber a água de um cântaro pintado de anil? Há muito que quase todos se afastaram do homem, conscientes do perigo. Levaram consigo as crias e, algures, construíram outros ninhos.
Procuraram as ramagens, taparam os covis. E os que restam, estão à nossa volta, pois sabem que não fazemos parte da legião dos malditos que se aproximam.

   Baptista, José Agostinho. O Pai, a Mãe e o Silêncio dos Irmãos. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009, 113 - 144.

19/06/12


Que certas vezes ele seja o ar e outras o vento, que se aproxime e entre e se deite e espere e me desça e me suba e me dobre suavemente como se dobram os girassóis na tarde que declina e depois adormeça num sonho de dois, eu e ele, verso e reverso, enfermidade e cura, culpa e redenção, e depois me leve para os litorais de onde vem. Mas ele não vem.
Ancorado, naquela curva que só eu conheço, está um bote. Quando se revela a claridade, ainda que ténue e difusa, pego nos remos e parto, como se procurasse, sem qualquer razão, um vislumbre de trigo e catedrais. Paro, entretanto, e deito-me, inspirando os sargaços.
(...) São estas as horas em que não te procuro, meu irmão. Sei que muito perto da casa corres atrás dos cães, e depois partes, para os territórios da alcateia, E eu aqui, à espera, à espera, à espera. Dele, da lua, de vénus, do cruzeiro do sul, do arado, do leão, de uma pancada mais forte em cada metade do coração. Sento-me, deito-me, levanto-me, acordo, adormeço, e aperto no peito quatro penas brancas(...) Neste entardecer, nesta lentidão de pássaros e nuvens, abandono-me, embalo-me, esqueço. E ele não vem..

  Baptista, José Agostinho. O Pai, a Mãe e o Silêncio dos Irmãos. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009, pp 30 - 32.

17/06/12

Traduzindo...


Poderei a ti confessar-me se assim o pretenderes
e tanto tanto te contarei que, suplicante,
me pedirás que não prossiga com tal horror.
Minha boca dir-te-á que, bem cedo,
a dor começou a fazer seu ninho
neste meu corpo que agora se despede
deste cenário onde outrora se improvisavam
nossos gestos, como escrita de um livro
afinal indecifrável e de sonhos despojado
cujas pesadas páginas um dedo,
lento e glacial, vai implacavelmente virando
até que a náusea e o tempo nos acabem por consumir.

        Victor Oliveira Mateus

Original:

   " Despedida "

Si quieres confesarme yo te dejo
y tanto te diré que suplicante
pedirás no prosiga tanto horror.
Mi boca te dirá que en tiernos años
el dolor comenzó a hacer su lecho
en esta carne que ahora se despide
del escenario donde se improvisan
nuestros actos, escritos en el libro
indescifrable y vacuo de unos sueños
cuyas pesadas páginas un dedo,
lento y glacial vuelve implacable,
hasta que náusea y tiempo nos consumen.

  Piñera, Virgilio. La Isla en Peso. Barcelona: Tusquets Editores, 2000, p 283.
.

"... defende-se contra a pobreza e contra a sujeição."

.
    " A Força da Grécia "

A Grécia foi sempre criada na pobreza, mas junta-se-lhe a
virtude, amassada na sabedoria e numa lei rigorosa. Apoian-
do-se nelas, a Grécia defende-se contra a pobreza e contra
a sujeição.

      Heródoto (Livro VII, 102) in Hélade, Antologia da Cultura Grega de Maria Helena da Rocha Pereira. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1971, p 224.

15/06/12

.
A terceira miséria é esta, a de hoje.
A de quem já não ouve nem pergunta.
A de quem não recorda. E, ao contrário
Do orgulhoso Péricles, se torna
Num entre os mais, num entre os que se entregam,
Nos que vão misturar-se como um líquido
Num líquido maior, perdida a forma,
Desfeita em pó a estátua.

  Correia, Hélia. A Terceira Miséria. Lisboa: Relógio D' Água Editores, 2012, p 29.
.
.
Nós, os ateus, nós, os monoteístas,
Nós, os que reduzimos a beleza
A pequenas tarefas, nós, os pobres
Adornados, os pobres confortáveis,
Os que a si mesmos se vigarizavam
Olhando para cima, para as torres,
Supondo que as podiam habitar,
Glória das águias que nem águias tem,
Sofremos, sim, de idêntica indigência,
Da ruína da Grécia.

  Correia, Hélia. A Terceira Miséria. Lisboa:  Relógio D' Água Editores, 2012, p 13.
.

14/06/12

.
 " La piel de un hombre "

Hasta qué punto pálido
y como el que más, translúcido,
la piel un sueño compuesto
de esas tenuidades que se ven en los sueños,
de esas tenuidades que oscilan
hasta perder-se de vista,
en la lontananza de una pesadilla
en la cual el rostro del soñador
se hunde en sí.

Esa piel pertenece a este hombre
que ama desesperadamente vivir,
pero a quien se le rehusa la vida,
pues el siglo ordena
que se muera cada segundo.

   Piñera, Virgilio. La Isla en Peso. Barcelona: Tusquets Editores, 2000, p 248.
.

" Somos ya sólo sombras con una luz detrás? "


 " Sombras Chinescas "

Pasa - digo -. Has cambiado tanto
que de pronto pensé que no eras.
Cómo dices? Soy yo quien te habla.
Sólo que... no estoy seguro de que seas.
Quizá la penumbra de la tarde... Haré luz.
Dices que no me reconoces? Pues
será mejor tocarnos como los selvajes.
Oh, mi mano pasa a través de tu cuerpo!
Y dices que a tu mano le ha ocurrido lo mismo?
Somos ya sólo sombras con una luz detrás?
Divertido espectáculo de infinitas miradas,
miradas que nos traspasan como dagas crueles?
Habrá que convenir en que es todo un suceso.

  Piñera, Virgilio. La Isla en Peso. Barcelona: Tusquets Editores, 2000, p 224.
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13/06/12

" con derecho a figurar en los altares del horror. "


  " Solicitud de Canonización de Rosa Cagí "

Por la presente tengo a bien dirigirme a usted
para solicitar una plaza de santa laica
en la Iglesia del Amor.

Un hombre me juró amor eterno,
y su amor fue el infierno en la tierra.
Poseo en mi cuerpo más estigmas
de los exigidos por su Iglesia,
mayor cantidad de lágrimas
que las expresadas en centímetros cúbicos
en las planillas de las aspirantes a ser canonizadas,
mayor número de horas de insomnio,
y en mis rodillas callosidades tan elocuentes
que mis amigas me dicen:
Rosa la genuflexa.

Una noche
me hizo caminar como perra,
maullar como gata,
llorar como niña
y cantar como anciana.

Otra noche,
me obligó a besar el retrato de su amada,
y you pensé que a lo mejor
obligava a su amada a besar mi retrato,
y esa misma noche
- no sabe cuánta pena me da escribir esto -
me gritó degenerada.

En cuanto al requisito exigido por su Iglesia:
" Amarás aunque te muelan a palos ",
puedo asegurarle
que mi amor es inconmensurable,
a tal extremo
que ese hombre es mi Sumo Bien,
Mi Todo y mi Nada.

Por tanto,
habiendo sido humillada,
ofendida, vilipendiada,
postergada y vejada;
habiendo sido configurada en esa extraña latitud
que es ser muerta en vida.

Yo,
Rosa Cagí,
en pleno disfrute de mis facultades mentales,
pido humildemente ser canonizada como santa laica
con derecho a figurar en los altares del horror.

   Piñera, Virgilio. La Isla en Peso. Barcelona: Tusquets Editores, 2000, pp 126 - 127.
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12/06/12

"(...) bella, seductora,/ o parecerlo, que viene a ser lo mismo. "


 " Cirugía Plástica "

Me acompaña, señora?
Es hacia el final del pasillo,
desde aquí se ve la placa:
Salón de Cirugía Plástica.
Me dice que de nuevo
querría ser joven, bella, seductora,
o parecerlo, que viene a ser lo mismo.
Me dice que ya no puede más
con las arrugas, las bolsas,
las patas de gallina,
y que en los cuartos del amor,
aun con luz velada, se ven, señora, se ven
como una paisaje lunar.
Usted quiere la cirugía plástica,
tanto la quiere, mi señora,
que ya se ve en sus senos la turgencia,
y en su piel... oh, la piel, señora mía!
si de sólo rozarla ya me quemo.
Es tan sólo cuestión de entrar en el quirófano,
dejar que la cuchilla haga su obra,
y dos horas después...
Después? Después?
Después será la misma, mi señora,
con un ligero toque de ilusión.

  Piñera, Virgilio. La Isla en Peso. Barcelona: Tusquets Editores, 2000, p 125.

11/06/12

Maria Keil ( 9/8/1914 - 10/6/2012)

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Eu e a Irene descíamos o estreito carreiro que ligava a porta do palacete ao portão que dava para a rua. Uma vez aí apercebemo-nos que nos tínhamos esquecido de, no interior, abrirmos esse mesmo portão. Eu volto lá dentro! Disse à Irene. Mas é então que aparece uma mulher franzina, ágil, sorridente: Vocês não conseguem sair? Não! É fácil, diz ela, e, num pequeno salto, toca com o pé no trinco do portão que imediatamente se abre. O rosto dela ilumina-se num sorriso agaitado. Diz-nos que tem de ir à farmácia e ultrapassa-nos. Eu e a Irene estávamos boquiabertos por termos sido superados pela agilidade de alguém muito mais velho do que nós. Ainda não se tinha afastado demasiado quando se volta para trás: ah, não contem a ninguém o truque! Foi deste modo que conheci a grande Maria Keil. Mais tarde descobriria a sua faceta mais importante, a sua grande entrega à arte...
.

" a pele inviolável/ de seu corpo inviolável "

  " Os ornamentos "

e o homem foi arrancado da casca da noite
e acrescido de dentes e olhos
e foi trançado dia e dotado de ouvido

e ouviu:
o trigo roçando o éter de Galileu
os pés descalços
a grama úmida de hortelã

e ouviu:
    a pele inviolável
    de seu corpo inviolável
( germinar lagartas nos arremedos de vértebra)
    flanco e dorso
    das carcaças de pachiderme

um hipopótamo sonhando entre os girassóis

    Márcio-André. Poesia do Mundo 6. Coimbra: Palimage, 2010, p 120.
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10/06/12

...


não é possível ter amado e ser agora uma casa fechada, onde
houve um armário que foi crescendo com vestidos costurados
na paciência do desejo. não é possível ter amado e ser agora
uma casa apagada, onde houve uma música que tocou tanto
que se colou ao papel da parede. não é possível ter amado e
ser agora uma casa desligada, onde houve um bule que fabricou
tantos afectos que o perfume do jasmim ficou preso no coração
das palavras, como uma trepadeira que protege a mansarda do
 inverno. não é possível ter amado e não ser mais que um gato
que se esquiva da alfazema e dos jornais amarrotados. é pos-
sível? não é possível.

  Gonçalves, Daniel. A tua luz costurou-me uma bainha no coração. Fafe:
Editora Labirinto, 2012, p 42.
.

08/06/12

...


alguma coisa ficou por dizer. afastei as mãos da mesa e
desencontrei-me com as palavras que tinham caído ao chão.
são como instrumentos de sopro avariados. chaves que não
abrem mais a porta do coração. alguma coisa ficou por dizer.
estou infinitamente triste como quem regressa de um bosque
encantado. infinitamente triste como quem teve um deslumbra-
mento de chocolate e agora tudo lhe sabe a terra molhada.

   Gonçalves, Daniel. A tua luz costurou-me uma bainha no coração. Fafe:
Editora Labirinto, 2012, p 20.
.

...


suportei o inverno mais longo de sempre lendo as
entrelinhas do teu vestido. acertei as horas às estrelas
e nas estrelas deixei os sonhos dos embondeiros.
quando dei a volta ao universo regressei ao princípio
da palavra e voltei a cantar tudo de novo, porque era
finalmente uma criação bela, estava transparente como
uma pérola por recolher. parei. deixei-me deserguer
numa colina primordial e inventei uma casa. usei o teu
vestido para fecundar o jardim e sempre que o sol caía
nas hortênsias o amor me encontrava. escrevi os primeiros
poemas. iluminaram-se-me as sombras, mas não tinha
sombras, penas perfumadas somente. como um anjo
que guarda a eternidade, voltei a adormecer despido.
sonhei, estou certo disso, de boca aberta, por onde
se esgotou a tristeza e o pórtico naufragado do
esquecimento.

    Gonçalves, Daniel. A tua luz costurou-me uma bainha no coração. Fafe:
Editora Labirinto, 2012, p 12.
.

07/06/12

"(...) abro cortes na ponta/ dos dedos, mergulho-os como isco/ no escuro, e aguardo. "


 " Outra Educação "

Uma bilha cheia até metade de água,
a colher de café torta e um garfo,
enferrujados entre pés de erva-cidreira
e sulcos de mel - alguma coisa
nesta frágil ordem nos faz achar-lhe
um sentido, pôr na boca uma sombra
por mais passageira que seja.

Assim, enquanto as flores sacodem
o perfume na humidade salgada do ar,
à escada de ferro que sobe espiralando
p'rà mansarda, vem mijar um cão
desorientado, e uns degraus mais acima
dorme de olho aberto um gato zarolho.
Estou entre eles e os pêssegos e cigarros
na mesa de pedra, imagens meio inconscientes,
devorando páginas e páginas do caderno.

A poesia é o menos. Serve
se der com o ritmo e souber guiar
essas nuvens ralas, os rebanhos do céu,
suster o barulhinho intermitente
desta chuva de Agosto nos vidros,
o vento gemendo de gozo e a respiração
funda do mar. Isso e a ronda
noctívaga dos cigarros, o cerco da sua
risada coroando as nossas cabeças.

Queria era falar-te destas casas
com os joelhos dentro de água, a doçura
vagarosa do seu desmoronamento e como
é fácil escutar o sangue aqui. O que sublinha
entre estes nomes que repetimos até
perderem o sabor.
Ponta dos Rosais, Pico da Esperança, Fajã
das Almas, Fajã do Ouvidor, Poça Simão Dias...
Labirínticos e pedregosos, a vertigem
encantada destes lugares é toda uma educação.

Esta gente leda que nos espreita
mansamente à entrada dos cortiços
embelecidos pelo sopro de luz
ganhando cada linha exterior antes
de coalhar no interior. É difícil
ler a distância que pesa no que lhes resta
do olhar ou os gestos com que enxotam
os dias e as moscas.

Gosto muito e sem razão
da rapariga que nos serve num dos poucos
cafés da ilha. A blusa enodoada e doce,
aberta, uma ternura sem jeito, e
por isso, rara. O namorado zela por trás
do balcão. Sussurra-lhe instruções. Os dois
provocam-se, magoam-se - é jogo.
E foi um esboço eterno como este
aquele que deixámos a meio.

De propósito ou não,
no dia em que foste deixaste acesa a luz
do teu lado da cama. Nunca mais
a apaguei. Depois veio o tempo
em que do teu corpo fiz um país infindo
para embebedar-me e perder a pele
todas as noites, mais fundo de cada vez.
Ficar perto desses que raspam o silêncio
com os ossos. Sentir tudo, ver brilhar
as nossas cicatrizes, frescas todas as manhãs.


Defendíamos o nosso inferno.

Quem por esses dias também pouco
tirava do sono era deus. Via-o escapar-se,
madrugada ainda, da mesma pensão barata,
o olhar comido pelo vazio,
triste como nós. E a única consolação
que sempre tivemos era essa: fazíamos
um número do caraças.

Excepção feita a um ou outro pormenor,
esqueci-te. Ficou um ruído sufocado
que mói, mas menos. Às vezes
um cheiro gosta de alguma coisa, puxa
a recordação do teu, outras
acontece-me ler o teu nome por acaso,
e as suas sílabas absurdas, ainda molhadas,
despedaçam-me a boca.

Já não me queixo tanto. Em Lisboa
há um jardim onde me levo,
tem umas estátuas meio despidas.
Uma delas dói-me mais. Gosto de apanhar
a erva que lhe cresce nas margens,
atento àquela boca aberta em redor
de um grito que mais ninguém ouve
senão eu. Mel de uma boca
de sombra onde os dias ganharam
o gosto de esperar uma frase. Eu escrevo.
Quer dizer que abro cortes na ponta
dos dedos, mergulho-os como isco
no escuro, e aguardo.

  Pinto, Diogo Vaz. Criatura Nº 5. Outubro, 2010, pp 45 - 48.
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" et moi je me souviens de matins/ où je ne te connaissais pas encore "

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tu dis
je viens


je dis
je pars
te voir


tu viens

la carte de l' oeil
en point de mire
je vois
des lacs sur des prés
des cygnes sur des lacs

le train dans ton coeur
t' emporte
et m' entraîne

un carré de gazon se détache sur le gravier
tu aimes être éparpillé comme des cailloux tu dis
et moi je me souviens de matins
où je ne te connaissais pas encore

   Janzyk, Véronique. Trois poètes belges. Neuilly-lès-Dijon: Éditions du Murmure, 2010, p 39.
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06/06/12

" Tu viens de lui promettre de tout quitter, mais/ il est trop tard. "


Elle, depuis trente ans. Toujours de l'affection pour elle. On ne divorce
pas quand on a encore de l'affection. L'autre, trente ans de moins
que toi. Ta maîtresse depuis trois ans. Tu n'as pas vu le temps
passer. Elle oui. Tu viens de lui promettre de tout quitter, mais
il est trop tard. Elle dit que ça lui est tombé dessus comme ça
vous est tombé dessus. Elle en a rencontré un autre. L'amour
déjà s'était évaporé de dessus vos épaules. Vous aviez réservé des
billets por l'Inde. Tu avais claironné à tes amis ton besoin d'une
retraite, d'une solitude loin de tout. Tu as bien dû y aller. Et
elle t'a accompagné. Vous ne vous êtes pas touchés. Vous avez
dormi dans deux chambres, parfois dans la même, sur des lits
contigus. Tu as fait l'Inde le désir au ventre. Ce fut à couper au
couteau. Tu pleures en le racontant. Tu me demandes comment
la terre tourne. La terre tourne. Les gens tiennent dessus. C'est
incroyable. Comment fait-on? Je partage avec toi le mystère
de la terre qui tourne. C'est quand même incroyable. Oui, c'est
merveilleux. Tu essuies tes larmes. Tu dis Je ne sais pas pourquoi
mais j'ai l'impression de mieux comprendre les Indiens.
Oh mon ami.

    Janzyk, Véronique. Trois poètes belges. Neuilly-lès-Dijon: Éditions de Murmure, 2010, p 37.
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