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29/01/12

" - Vem, cabrito, que eu ardo à tua espera! "

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Ai, como trepas, cabritinho esperto:
De uma pedra já saltas noutra pedra,
E pouco a pouco assim chegas mais perto
Do cume e d'erva que no cume medra!

- Já chego, estou chegando, espere um pouco!
De cargo em cargo vede: sei galgar
( Ai, que poder! Estou ficando louco!),
Montar depressa até no cume dar!

- Vem, cabrito, que eu ardo à tua espera!
E, ao chegares aqui, ergue o rabito:
Mais alto fiques tu no cume farto!

- Mas, meu amor... eu quero a estratosfera!
Trepar mais alto! É só no que cogito!
Chegando a aurora, já do cume parto!

  Paulo Franchetti in " Mal D' Orror ", Sereia Ca(n)tadora, Santos, 2011, p 3.
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23/06/11

" Como não afundasse, ficou vagando,/ Até se desfazer em partes, "

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 "Manhã"

Lentamente, foi se afastando da praia.
Estava amarrado, e depois oscilou livre,
Na maré vazante.
Terá demorado a fugir da vista.

No alto-mar, ao sabor das correntes que o arrastaram,
Deve ter recolhido a chuva e secado ao sol.
A água, penetrando pela borda,
Nos meios-dias deve ter deixado um rastro brilhante de sal sobre o banco
E nas dobras do fundo.

Depois, numa noite de chuva,
Primeiro uma onda o terá alagado até o meio.
Em seguida, balançando mais lento, terá sido aos poucos coberto pela água.

Como não afundasse, ficou vagando,
Até se desfazer em partes,
Uma das quais é esta, que agora
Está aqui, quase enterrada na areia.

  Paulo Franchetti in "Memória Futura", Cotia, São Paulo, 2010, p 18.
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" As lembranças, afinal, já não cavalgam as palavras "

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PONHO UMAS palavras num papel
E elas passeiam, intocadas,
Como peixes com fome num aquário.

Se alguém se debruçasse agora,
Em busca de outra imagem recurvada,
Veria apenas a sombra, como eu vejo,
Na folha de papel.

Nem mesmo sob a superfície paira
(As lembranças, afinal, já não cavalgam as palavras)
Alguma forma de alívio.

Apenas isto:
Estes gestos,
Pequenos pedaços flutuantes,
Farelos que os peixes,
De súbito surgindo do fundo
Da água lodosa,
Vêm devorar.

  Paulo Franchetti in "Memória Futura", Ateliê Editorial, Cotia, 2010, p 33.
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22/06/11

" Assim no dia a dia o amor,/ Cobra, inseto, ave de rapina, "

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O SANGUE insiste
Como um pensamento,
Uma ideia fixa que preenche um dia à toa.
Depois reflui, resolvido.
O sono condensa a vista,
Como a respiração no vidro do carro
Parado sob a chuva.
Os mangues ameaçam invadir a cidade,
Sobem e defluem íntimas marés,
Enxurradas de restos, caranguejos, garrafas.
Ou tudo escorre em paz,
Nos canos do tanque, de plástico liso,
Ou no correto sistema de águas do banheiro.
Assim no dia a dia o amor,
Cobra, inseto, ave de rapina,
Vai desdobrando a vida,
Que corrói.

    Paulo Franchetti in "Memória Futura", Ateliê Editorial, Cotia, 2010, p 45.
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