01/01/14





   O que sobretudo me aborrece é que Dom Ricardo tome parte no combate. Por todo o lado ele mostra a sua bazófia, principalmente na presença do príncipe, e as suas grosseiras facécias provocam o riso estúpido dos acompanhantes. Tem o aspecto dum tolo, com a sua cor trigueira de campónio e os grandes dentes brancos que continuamente mostra, pois ri de tudo. A sua maneira de atirar a cabeça para trás e de retorcer os anéis da barba castanha é para mim odiosa. Não compreendo como o príncipe pode suportar-lhe a presença.
   Ainda menos compreendo como pode a princesa sentir atracção por este indivíduo vulgar, pois ele é vulgar, embora de antiga nobreza. Mas tal assunto não tem qualquer interesse para mim. Nem, afinal, para ninguém.
   Quando alguém diz que ele é valente, admiro-me. Como muitos outros, ele estava entre os combatentes da margem do rio, mas recuso-me absolutamente a crer que aí se tenha de qualquer forma distinguido. Não consegui avistá-lo nem durante um segundo. Certamente foi ele quem contou a toda a gente como se portara com valentia. E como, assim que abre a boca, toda a gente o escuta, conseguiu convencer os seus auditores. Pessoalmente não creio na sua bravura. É um insuportável fanfarrão, eis tudo.
   Valente ele? Só a ideia me faz rir!
   O príncipe é valente. Atira-se ao mais confuso da peleja e, em todos os pontos onde o combate é mais aceso, vemos o seu cavalo branco (...) Boccarossa é também naturalmente bravo (...). Falo segundo o que ouço dizer, pois sempre tenho estado demasiado longe dele para poder vê-lo, e não posso exprimir até que ponto lamento ter de perder semelhante espectáculo.
   Homens como o príncipe e ele são valentes, cada um à sua maneira. Mas Dom Ricardo! É grotesco compará-lo com eles.
 
 
   Lagerkvist, Pär. O Anão. Lisboa: Antígona Editores, 2013, pp 68 - 69.
.