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19/04/13


Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes insinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.

Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fermosos se apartavam;
De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam;
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria.

De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,
Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas,
O velho pai sesudo, que respeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do filho, que casar-se não queria,

 Camões, Luís de. Os Lusíadas ( Canto III, 120 - 122 ). Lisboa: Empresa Lit. Fluminense, 7ª Edição, p 141.
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15/04/13

 
 
Mas um velho, de aspeto venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
Cum saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
 
" Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
Cua aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles exprimentas!
 
Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desemparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios!
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana.
 
A que novos desastres determinas
De levar estes Reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos e de minas
De ouro, que lhe farás tão fàcilmente?
Que famas lhe prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?
 
Mas, ó tu, gèração daquele insano
Cujo pecado e desobediência
Não sòmente do Reino soberano
Te pôs neste desterro e triste ausência,
Mas inda doutro estado, mais que humano,
Da quieta e da simpres inocência,
Idade de ouro, tanto te privou,
Que na de ferro e de armas te deitou:
 
Já que nesta gostosa vaidade
Tanto enlevas a leve fantasia,
Já que à bruta crueza e feridade
Puseste nome "esforço e valentia",
Já que prezas em tanta quantidade
O desprezo da vida, que devia
De ser sempre estimada, pois que já
Temeu tanto perdê-la Quem a dá:
 
    Camões, Luís de. Os Lusíadas (IV 94 - 99). Lisboa: Empresa Litª Fluminense, 7ª Edição, pp 170 - 171.
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20/03/12

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Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança ainda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais
e, se torna, não tornam as idades.

Razão é já, ó anos, que vos vades,
porque estes tão ligeiros que passais,
nem todos para um gosto são iguais,
nem sempre são conformes as vontades.

Aquilo a que já quis é tão mudado
que quase é outra cousa; porque os dias
têm o primeiro gosto já danado.

Esperanças de novas alegrias
não mas deixa a Fortuna e o Tempo errado,
que do contentamento são espias.

  Camões, Luís de. Lírica Completa, Vol. II. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1980, p 194.

Notas de Maria de Lurdes Saraiva:
Saudades antigas, eternas, luzem sob a cinza do tempo inexorável e acenam com ilusórias esperanças. Mas o passado passou. E, ainda que o tempo pudesse tornar atrás, os anos vividos não se podem esquecer. Aquilo que o Poeta amou mudou tanto que é agora outra coisa. O tempo amargurou o gosto da juventude. A Fortuna hostil, o Tempo errado não permitem já esperanças de novas alegrias.
Publicado pela 1ª vez em 1598.
V. 3-4 - Cf. redondilhas "Sobre os rios que vão", 86-95: "Acha a tenra mocidade/ prazeres acomodados,/ e logo a maior idade/ já sente por pouquidade/ aqueles gostos passados./ Um gosto que hoje se alcança/ amanhã já o não vejo./ Assi nos traz a mudança/ de esperança em esperança,/ e de desejo em desejo".
V. 5 - anos, - no sentido de passado.
V. 6 - ligeiros - rápidos.
V. 7 - O sentido é talvez: os anos que entretanto passaram foram diferentes ( para cada um dos amantes).
V. 10 - dias - tempo.
V. 11 - primeiro gosto - primeiro amor.
V. 14 - espias - amarras, seguranças, apoios.
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28/01/10

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Quanta incerta esperança, quanto engano!
Quanto viver de falsos pensamentos,
pois todos vão fazer seus fundamentos
só no mesmo em que está seu próprio dano!

Na incerta vida estribam de um humano;
dão crédito a palavras que são ventos;
choram depois as horas e os momentos
que riram com mais gosto em todo o ano.

Não haja em aparências confianças;
entende que o viver é de emprestado;
que o de que vive o mundo são mudanças.

Mudai, pois, o sentido e o cuidado,
somente amando aquelas esperanças
que duram pera sempre com o amado.

Luís de Camões in "Lírica Completa - Vol. II",
Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1980, p 275.

Notas de Maria de Lurdes Saraiva:
"v.5 - Os falsos fundamentos e pensamentos alicerçam-se todos no precário valor que é a vida humana.
v.1o- Segundo a concepção cristã, a vida terrena é um momento transitório, emprestado por Deus.
v.11- que aquilo de que o mundo vive são apenas mudanças, isto é: no mundo não há nada de permanente.
v.14 - amado - o esperado. Na Lírica de Camões, as esperanças ligam-se sempre a um objecto de amor, e são cortadas quando o amor cessa. Isso explica a síntese dos dois últimos versos."
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04/12/08



Eu cantei já, e agora vou chorando
o tempo que cantei tão confiado;
parece que no canto já passado
se estavam minhas lágrimas criando.

Cantei; mas se me alguém pergunta quando:
"Não sei, que também fui nisso enganado".
É tão triste este meu presente estado
que o passado por ledo estou julgando.

Fizeram-me cantar, manhosamente,
contentamentos não, mas confianças;
cantava, mas já era ao som dos ferros.

De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças
onde a Fortuna injusta é mais que os erros?

Luís de Camões, In "Lírica Completa Vol. II",
Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p 193.

(Nota de Maria de Lurdes Saraiva - "Soneto autobiográfico. O tema
fundamental é o do engano, ideia que é sucessivamente reformulada
no soneto em planos progressivamente mais complexos e subtis: chora
o tempo em que cantou (...)Sabe que cantou; mas nem sabe quando,
porque pode ser ilusória essa percepção de um antigo tempo feliz(...) O
canto anterior não foi inspirado por alegrias, mas por esperanças sem
fundamento(...) Se tudo é mentira e engano, de quem se queixará? É o
próprio choro que não tem razão de ser (...) a culpa da sua infelicidade;
não foram os seus erros, mas o Destino iníquo, que decidiu da sua sorte")
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