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29/03/10

" (...) e entrego um exemplo/ aos que assistem e sonham ao contrário,"

.
"Trampolim de 20 Metros"

Todos aplaudem os movimentos
que executo ao voar da prancha
para a água. E creio que são merecidos.
Procurei a perfeição em longas horas
de frio e solidão. Treinei
vezes sem conta o triplo mortal,
os mortais à rectaguarda, os empranchados.
Decido como quero o meu caminho
até à água e entrego um exemplo
aos que assistem e sonham ao contrário,
lamentando o tempo perdido e a obesidade.
Rasgo o pano líquido - navalha
afiada, inteiriça, mas com medo do sangue.
Depois subo à superfície
para receber os aplausos e ouvir os elogios,
embora me mantenha atrás duma cortina.
Ninguém sabe o que se passa dentro
de água, como simulo
aí reter-me, tocar no fundo, permanecer
no fundo o máximo de tempo possível.

José Ricardo Nunes in "Versos Olímpicos", Deriva Editores,
Porto, 2009, p 25.
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28/03/10

"Não me alarmo com o rosto/ que a vertigem puxa para dentro,"

.
"Controlo Anti-Doping"

Tomam comprimidos, injectam
drogas e químicos poderosos
com o desejo de superar os limites
impostos à condição humana.
A qualquer preço adquirem força,
velocidade, um corpo transformado.

Há muito que o doping alastrou
do ciclismo às demais modalidades,
corrompendo a prática desportiva
e minando o espírito olímpico.
Combatê-lo é proteger o negócio.
Vence a verdade desportiva,
uma prosa sem honra nem brilho.

Comigo nunca foi assim.
Sento-me à secretária e escrevo.
Não me alarmo com o rosto
que a vertigem puxa para dentro,
desconexo, quase irreconhecível,
adulterado pelos efeitos secundários.

José Ricardo Nunes in "Versos Olímpicos", Deriva Editores,
Porto, 2009, p 19.
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