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12/01/13

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   " Testamento "
 
 
À prostituta mais nova
do bairro mais velho e escuro,
deixo os meus brincos, lavrados
em cristal, límpido e puro...
 
E àquela virgem esquecida
rapariga sem ternura,
sonhando algures uma lenda,
deixo o meu vestido branco,
o meu vestido de noiva,
todo tecido de renda...
 
Este meu rosário antigo
ofereço-o àquele amigo
que não acredita em Deus...
 
E os livros, rosários meus
das contas de outro sofrer,
são para os homens humildes,
que nunca souberam ler.
 
Quanto aos meus poemas loucos,
esses, que são de dor
sincera e desordenada...
esses, que são de esperança,
desesperada mas firme,
deixo-os a ti, meu amor...
 
Para que, na paz da hora,
em que a minha alma venha
beijar de longe os teus olhos,
 
vás por essa noite fora...
com passos feitos de lua,
oferecê-los às crianças
que encontrares em cada rua...
 
 
   Lara, Alda. Poesia Africana de Língua Portuguesa: Antologia. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2004, pp 67 - 68 (Organizdores: Livia Apa, Arlindo Barbeitos, Maria Alexandre Dáskalos).
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13/01/10

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"Intermezzo"


Do cais, partiram os navios
onde eu quis ir sempre,
e nunca fui...

No jardim, morreram as flores
que o meu olhar só beijou
através das grades brancas...

E pelos caminhos,
passaram por mim,
sem olharem para trás uma só vez,
todos os que tinham pressa de chegar...

Só eu fui devagar...
cada vez mais devagar
quanto mais perto estava.

A desejar, as flores que morriam
por detrás das grades brancas...
os navios que partiam
envolvidos na bruma,
e os caminhos, nunca percorridos...

Só eu fui devagar...

(Lisboa, 1948)

Alda Lara In "Poemas", Vertente, Porto, s/d, p 69.
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