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21/06/10

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"Separação de Abraão e Lot (Gn 13)"


Se fores pela direita
Olharei em redor
Se fores pela esquerda e descansares
Olharei em redor

O meu olhar há-de acompanhar-te
Como a poeira à volta dos teus pés

Se desceres à planície
E fizeres a tenda com o véu da mulher
Não desviarei o olhar
Não dividirei a túnica

Se fores pelo centro de ti mesmo
Tactearei
Abrirei a mão e estarás próximo
Basta respirares
E olharei em redor

Daniel Faria in "Poesia", Quasi Edições, Vila Nova de Famalicão, 2003, 153.
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04/06/10

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As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões
E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos - digo,
As mulheres - ainda que as casas apresentem os telhados inclinados
Ao peso dos pássaros que se abrigam.

É à janela dos filhos que as mulheres respiram
Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas
Transformam-se em escadas

Muitas mulheres transformam-se em paisagens
Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram
Nos ramos - no pescoço das mães - ainda que as árvores irradiem
Cheias de rebentos

As mulheres aspiram para dentro
E geram continuamente. Transformam-se em pomares.
Elas arrumam a casa
Elas põem a mesa
Ao redor do coração.

Daniel Faria in "Poesia", Quasi Edições, Vila Nova de Famalicão, 2003, p 122.
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02/06/10

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Ando um pouco acima do chão
Nesse lugar onde costumam ser atingidos
Os pássaros
Um pouco acima dos pássaros
No lugar onde costumam inclinar-se
Para o voo

Tenho medo do peso morto
Porque é um ninho desfeito

Estou ligeiramente acima do que morre
Nessa encosta onde a palavra é como pão
Um pouco na palma da mão que divide
E não separo como o silêncio em meio do que escrevo

Ando ligeiro acima do que digo
E verto o sangue para dentro das palavras
Ando um pouco acima da transfusão do poema

Ando humildemente nos arredores do verbo
Passageiro num degrau invisível sobre a terra
Nesse lugar das árvores com fruto e das árvores
No meio dos incêndios
Estou um pouco no interior do que arde
Apagando-me devagar e tendo sede
Porque ando acima da força a saciar quem vive
E esmago o coração para o que desce sobre mim

E bebe

Daniel Faria In " Poesia ", Quasi Edições, Vila Nova de Famalicão, 2003, p 39.
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