30/03/13



VIAGEM: -


Sigo os teus passos, caminheiro perdido em cidades som-
brias. Não sei manejar as estacas com que te inclinas no
abrigo dos alpendres. Mas todos os caminhos me desafiam
para o desvario de um lugar, de uma palavra, de um rosto.
Como se a linha da vida me cartografasse o olhar.


 Pires, Graça. Caderno de Significados. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim Editora, 2013, p 30.
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PAI: -


Hoje pensei na solidão dos pássaros quando as searas se
incendeiam. E pensei em ti, pai, que partiste tão cedo como
se tivesses vindo do lado mais desolado das sombras. O que
sei eu das uvas entre os teus dentes no tempo das vindimas?
Que pássaro de cinza, diz, te sobrevoou o verde do olhar?
Se prolongasse o poema  dir-te-ia como os meus olhos
te lembram. Mas não posso. Vou devolver ao mar as conchas
negras da minha colecção.

 Pires, Graça. Caderno de Significados. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim Editora, 2013, p 22.
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DECISÃO: -



Não traço planos. Amanhã cada minuto será transitório.
Todos os pormenores que me são próprios terão a precisão
das cordas do alaúde em dedos sensíveis. Serei nómada e
levarei comigo a máscara do veneno junto à boca.

 Pires, Graça. Caderno de Significados. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim Editora, 2013, p 11.
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CONTRATEMPO : -



Ser cega e ver nos olhos dele a sombra oblíqua do barco
que usará para fugir.


 Pires, Graça. Caderno de Significados. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim Editora, 2013, p 10.
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27/03/13

Apresentação...


CADERNO DE SIGNIFICADOS o novo livro de GRAÇA PIRES.
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O lançamento desta obra ocorrerá no próximo dia 30, pelas 16h00, na GUILHERME COSSOUL
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DE CAMPOLIDE, Rua Professor Sousa da Câmara, 156 - Lisboa.
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A apresentação ´do livro estará a cargo de MARIA JOÃO CANTINHO e a leitura
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de poemas será feita por GISELA RAMOS ROSA.
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24/03/13

Um quasipoema...



Não sei se vem a propósito: quando iniciei o Ciclo Preparatório, a professora de Canto Coral ouviu os meninos um a um e depois sentou-os em lugares bem definidos: 1ª voz, 2ª voz, etc. Quando chegou a minha vez, teve de me ouvir três vezes e depois, peremptória, disse: o menino senta-se na fila da esquerda, junto aos desafinados... A partir desse dia descobri que a vida iria valer a pena!
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(Nota - não é meu hábito trazer os meus comentários do Face para o Blogue, mas desta vez creio que faz algum sentido...)
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23/03/13

  

 "  o  poeta  "


tinha um poema em vez de coração.
diziam que lhe chilreavam pássaros na garganta
e que das mãos se abriam quintilhas com que
transformava todas as coisas em ouro


o mundo pingava-lhe da boca em sopros de grafema
mas apenas alguns olhos escutavam
o coração que trazia em vez do poema


     Vaz, Carlos. Cintilações da Sombra, Antologia poética. Fafe: Editora Labirinto, 2013, p 24 (Coordenação de Victor Oliveira Mateus).
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Apresentaçao da antologia "Cintilações da Sombra"





22/03/13

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Maria João Cantinho, Cristina Carvalho e Victor Oliveira Mateus na apresentação da obra "Cintilações da Sombra" na Livraria Pó dos Livros, 21 de Março de 2013.
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   UMA JOVEM SENTADA NO MEU DEGRAU

                                                 para Marta López Vilar


De negro como outrora as atenienses
junto às muralhas do Pireu. De negro
os escombros de Palmira, os sagrados
cadáveres de Tebas, os tiranos assumidos
tão iguais a estes com seus velhos desdentados,
suas imolações pelo fogo, suas mulheres
atirando-se pelas janelas, quais Medeias
já sem filhos nem vontade de vingança.


De negro a magia persistente de Ritsos,
de Kavafys, de Seferis, tão avessos
ao quotidiano esquartejado que propagais.
E de negro tu também: sentada
no meu degrau, com o vestido
a barrar-me a entrada ( coisa de presságios
tão confusos para mim àquela hora!),
com o teu sorriso luminoso; um olhar


a adensar-me a culpa. Um sorriso
sereno e eu a não te poder mudar
a vida. De negro o ficarmos ali _
um frente ao outro... Era um negro
tão negro, que nele se ouvia já o estrépito
do branco a despontar: nos gritos,
nas palavras recuperadas que um dia
- inevitavelmente -  hão-de voltar.

  Mateus, Victor Oliveira. Cintilações da Sombra, Antologia poética. Fafe: Editora Labirinto, 2013, p 69 ( Coordenação de Victor Oliveira Mateus).
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21/03/13

Nota de imprensa...

Cintilações da Sombra’ no Dia Mundial da Poesia

Braga

autor

Rui Serapicos

contactar num. de artigos 444

‘Cintilações da Sombra’, uma antologia poética com palavras de vários minhotos entre alguns dos melhores autores da actualidade, é apresentada amanhã em Braga, Coimbra e Lisboa, em celebração do Dia Mundial da Poesia. Em Braga, a apresentação está prevista para as 18.30 horas, na Livraria 100.ª Página, sita na Avenida Central, a cargo de José Cândido de Oliveira Martins, professor da Universidade Católica Portuguesa.

Está prevista, pela actriz Cristina Cunha, a leitura de alguns poemas. Artur Coimbra, Cláudio Lima, Maria do Sameiro Barroso, Pompeu Martins, e Vergílio Alberto Vieira são poetas do Minho com textos inseridos nesta edição, de 500 exemplares, dada à estampa pela editora Labirinto — Núcleo de Artes e Letras de Fafe.

Entre outros consagrados das letras nacionais, este volume, com pouco mais do que setenta páginas, conta ainda com poemas de António Ramos Rosa, Fernando Pinto do Amaral, Maria Teresa Furtado, Maria Teresa Horta e Victor Oliveira Mateus, qu e teve a responsabilidade de coordenação.
Àqueles vultos da poesia acrescentam-se promessas que já se vão cumprindo, em fase de afirmação, como João Ricardo Lopes ou Inês Fonseca Santos.

Um grito, um hino, um tributo aos poetas e à poesia

Num comentário para o ‘Correio do Minho’ acerca desta iniciativa editorial, o editor da Labirinto, João Artur Pinto, considera ‘Cintilações da Sombra’ como “um grito, um hino, um tributo simultâneo aos poetas e à poesia”. A antologia encontra-se disponível nalgumas livrarias do país, podendo igualmente ser pedida através do correio electrónico da Editora Labirinto.

Em Coimbra, na Casa da Escrita, a apresentação está a cargo do de José Carlos Seabra Pereira, da Universidade de Coimbra.
Em Lisboa, na Livraria Pó dos Livros, a apresentação será da responsabilidade de Cristina Carvalho (escritora), Maria João Cantinho (poeta e ensaísta) e Victor Oliveira Mateus (coordenador da antologia).

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15/03/13

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. EM LISBOA !!!
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. Nesta Antologia poderão ler a poesia de: ALBANO MARTINS, ALICE FERGO,
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ALICE MACEDO CAMPOS, AMADEU BAPTISTA, AMÉLIA VIEIRA, ANA LUÍSA AMARAL,
.
ANA MARIA PUGA, ANTÓNIO JOSÉ BORGES, ANTÓNIO JOSÉ QUEIROZ,
.
ANTÓNIO RAMOS ROSA, ANTÓNIO SALVADO, ARTUR COIMBRA, CARLOS AFONSO,
.
CARLOS VAZ, CASIMIRO DE BRITO, CLÁUDIO LIMA, DANIEL GONÇALVES,
.
FERNANDO PINTO DO AMARAL, FILIPA LEAL, GISELA RAMOS ROSA,
.
HENRIQUE LEVY, HUGO MILHANAS MACHADO, INÊS FONSECA SANTOS,
.
INÊS LOURENÇO, ISABEL MENDES FERREIRA, JOÃO LUÍS BARRETO GUIMARÃES,
.
JOÃO RASTEIRO, JOÃO RICARDO LOPES, JOÃO RUI DE SOUSA, JOEL HENRIQUES,
.
JORGE FRAGOSO, JOSÉ ACÁCIO ALMEIDA, JOSÉ EMÍLIO-NELSON,
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JOSÉ RUI ROCHA, JULIANA MIRANDA, MANUEL SILVA-TERRA,
.
MARIA AUGUSTA SILVA, MARIA JOÃO CANTINHO, MARIA QUINTANS,
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MARIA TERESA DIAS FURTADO, MARIA TERESA HORTA, NUNO BRITO,
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NUNO DEMPSTER, PAULO JOSÉ MIRANDA, RICARDO GIL SOEIRO, RUI ALMEIDA,
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RUY VENTURA, TERESA RITA LOPES, TIAGO NENÉ, VERGÍLIO ALBERTO VIEIRA
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e VICTOR OLIVEIRA MATEUS.
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 EM COIMBRA !!!
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EM BRAGA !!!
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Nos 20 anos da partida de Natália Correia!

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14/03/13


   A irmã mais nova de Lázaro, no mesmo dia em que conheceu a luz que banhava a Terra inteira, conheceu também uma escuridão maior do que aquela em que sempre vivera mergulhada.
(...) Veio um homem do meio da noite perguntar-lhe o que tinha com uma voz clara e mansa, e a irmã mais nova de Lázaro respondeu-lhe que tinha fome, e frio, e ninguém que a abraçasse; que precisava de ir para Betânia, na Judeia, onde talvez lhe sobrassem um irmão e uma irmã, mas não sabia o caminho; e que procurava um homem que também não conhecia para lhe entregar o seu amor, que era grande e puro, pois a mais ninguém o entregara antes dele. E esse homem que viera do meio da noite, ajoelhando-se junto dela, prometeu que lhe daria abrigo, e ceia, e um abraço diferente de todos os que até ali havia experimentado (...). E, olhando depois o seu rosto suave e inocente, acrescentou que esse homem que ela procurava, esse homem a quem ela queria entregar o seu amor, não era senão ele. E a irmã mais nova de Lázaro (...) ouvindo a sua voz deliciosa, acreditou.
   Veio um homem do meio da noite todas as noites que a essa se seguiram, mas nenhum deles era o homem que a filha de Aura, deitada no chão da sua casa de Migdal, ouvira uma tarde pregar à sua porta e lhe enchera o peito de tumulto. Todos lhe dirigiam a palavra numa voz clara e mansa e todos lhe prometiam tudo o que ela dizia que faltava, pelo que, ao ouvi-los às escuras nas suas longas túnicas que lhes cobriam os pés, ela acreditava sempre cegamente no que diziam.(...) porque todos esses homens que dividiam com ela a cama e a ceia e lhe davam um abraço que ela preferia nunca ter experimentado queriam poder voltar a dar-lho noutra noite (...)
   Entre os seios da irmã mais nova de Lázaro, depois de uma noite que, entre todas, foi a mais dura e longa de toda a sua vida - pois foi nela que voltaram todos os homens que antes a haviam tido uma só noite -, o coração apertou-se, pela primeira vez na sua vida, num novelo de dúvidas e maus pressentimentos quando, na enxerga em que adormecera de exaustão, a acordaram aos gritos as vozes ácidas de um grupo de mulheres que traziam as mãos e os regaços cheios de pedras. Foi só quando a primeira palavra a atingiu no peito, e quando a primeira pedra a atingiu no peito com o som dessa palavra, que a filha mais nova de Aura conseguiu encontrar a resposta à pergunta que a mãe lhe pedira que nunca formulasse. E, levantando-se com as poucas forças que lhe restavam para se salvar do seu destino (---) correu para fora da cabana com as lágrimas (...) por ter descoberto que o corpo que tinha para oferecer a esse homem que amava já não era o corpo que ele, na sua infinita bondade, merecia.
(...) E, por entre as vozes iradas de todos aqueles que só pensavam em castigar a irmã mais nova de Lázaro pelo pecado da carne, (...) Jesus perguntou o nome à mulher que, ajoelhada aos seus pés, os enxugava agora com os longos e sedosos cabelos das lágrimas que sobre eles derramara. E ela, sem o olhar ainda por vergonha, respondeu-lhe que se chamava Maria e era de Migdal, mas para Betânia, na Judeia, era o seu caminho, pois aí talvez lhe sobrassem um irmão que se chamava Lázaro e uma irmã que se chamava Marta, os únicos que poderiam ainda recebê-la sem pedras na mão. E Jesus, erguendo o olhar para uma nuvem que pairava sobre a sua cabeça (...), disse-lhe na sua voz clara e mansa:
- Vês alguma pedra nas minhas mãos? Pois então vem comigo, ia justamente para Betânia salvar um homem do seu destino, e uma viagem faz-se sempre melhor em boa companhia.
 
  Pedreira, Maria do Rosário. Aos Seus Pés in "Putas: novo conto português e brasileiro". Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2002, pp  89 - 93.
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12/03/13

Em breve...


A  Editora Labirinto irá comemorar o DIA MUNDIAL DA POESIA com o lançamento, em
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três cidades (Braga, Coimbra e Lisboa), de uma Antologia de Poesia que tive o prazer de organizar.
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Na apresentação da obra em Lisboa terei a honra de estar acompanhado por duas grandes escritoras
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deste país: CRISTINA CARVALHO e MARIA JOÃO CANTINHO .
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(Em breve mais pormenores sobre estes eventos.)
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05/03/13

 
    Como melhor exemplo da sua arte poética, como obra mais significativa de toda a produção de Mallarmé, podemos assinalar A Tarde de Um Fauno ( L'Après-midi d'un faune, 1876), um complexo e ambicioso poema sugerido após a leitura de uma pequena composição de Banville ( Diana no Bosque ) que referia ao de leve a personagem. O tema do desejo de duas ninfas por parte do fauno quando este despertou da sesta, serve ao poeta como pano de fundo para uma ampla reflexão sobre a realidade e o sonho, sobre os limites da vigília e o universo contemplado através dela. A Tarde de Um Fauno constitui, deste modo, um excelente resumo prático dos ideais poéticos de Mallarmé, que gostava de se considerar pensador antes de poeta. O artista, pensava, está encarregue de decifrar o mundo, cuja aparência exterior constitui um símbolo da Ideia que esconde (e observem-se aqui as dívidas para com a filosofia hegeliana). A explicação do mundo, no entanto, exige ser realizada por meios distintos dos convencionais, uma vez que a realidade impõe uma falsa lógica com a qual não pode ser verdadeiramente decifrada a Ideia. A missão da arte, da poesia neste caso, é a de desvendar, por meio de uma lógica artística de natureza simbólica, o verdadeiro ser do mundo. Apesar do ilusório da realidade, não se deve renunciar nesse desvendamento à estrita materialidade pela qual o homem se põe em contacto com a Ideia. Essa é a razão pela qual Mallarmé presta tanta atenção à execução do poema, especialmente à sua estrutura melódica. Em A Tarde de Um Fauno, o autor aprende as lições de outros contemporâneos sobre a musicalidade do verso - recordemos, por exemplo, Verlaine - e atribui à lírica uma transcendência melódica ( não foi em vão que a obra depressa passou para o mundo da dança), que não podemos deixar de reconhecer como uma certa forma de misticismo musical, muito presente entre os artistas europeus da época, e cujo ponto mais alto foi atingido por Wagner nas suas óperas.
    Compreenderemos melhor, depois desta rápida exposição das suas ideias poéticas através de A Tarde de Um Fauno, as razões pelas quais Mallarmé foi um autor pouco prolífico. Por um lado, era muito arriscado apostar numa obra tão ambiciosa e complexa como a sua, sobretudo se a tentava tratar com seriedade e rigor; por outro lado, à dificuldade da composição acrescentava-se a da recepção pelo público, que Mallarmé nem sempre conseguiu fazer participar nesse desvendamento do mundo a que parecia convidar a sua poesia; juntamente com A Tarde de Um Fauno, O Túmulo de Edgar Poe e alguns poemas isolados constituem o melhor da sua produção. Por fim, a sua honestidade intelectual deve-se ao rigor, e não à escassez, da sua inspiração, à qual nunca lhe faltaram horas de dedicação e trabalho. As implicações pseudo-religiosas da sua crença artística, de filiação claramente romântica na sua veia idealista, levaram-no ao extremo de negar qualquer dívida para com a realidade, a qual tentou superar através do símbolo, verdadeiro ser do mundo. Mas essa tentativa de libertação da arte levava irremediavelmente a esse beco sem saída que a sua geração compreendeu e experimentou até à perfeição com o "silêncio poético" de Rimbaud. Este caminho morto, esta impossibilidade de chegar mais longe, devia-se à recusa do artista a ceder à materialidade para decifrar um mundo que se obstinava em não ser desvendado e daí a presença contínua na sua obra dos temas da esterilidade, do nada, do vazio... Há, por isso, na obra de Mallarmé grandes doses de negação da substancialidade comunicativa da arte, momentos nos quais a poesia sacrifica, inclusivamente, a matéria da poesia, a palavra, para tentar desta forma fazer participar o leitor do indizível. A verdadeira poesia, parece concluir Mallarmé, pode ser, quanto muito, sugerida (e só esta convicção lhe permiitiu continuar a compor), mas nunca poderá ser escrita, pois profana-se assim a sua mais íntima essência. Rimbaud já o tinha compreendido e por isso se manteve fiel a esse "silêncio" que nenhum outro autor chegou a praticar.
 
 
  Iáñez, E. História da Literatura, Vol. 7: O Século XIX, Realismo e Pós-Romantismo. Lisboa: Planeta Editora, 1992, pp 256 - 257.
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04/03/13


      " Victor Oliveira Mateus "

De ti nascem os esboços do que escrevo agora
nestas linhas pautadas pelo vazio do branco
onde rasuro ideias que custam perícia e tempo
na incerteza da morfologia destas palavras
que respiram e regurgitam num só movimento.

Também são tuas estas frases órfãs de saber
inspiradas num instante de alucinação pagã
mas livres dos preconceitos irracionais da razão
que as dilacera e corrompe a cada sílaba
numa dança válsica que foge à compreensão.

Não negues a paternidade destas estrofes
cujas rimas furtivas se eclipsaram à nascença
deixando um simples discurso incoerente
de alguém que necessita escrever algures
todos os poemas que o papel recusa albergar.

São teus os versos que aqui vêm descansar
depois de correrem as estradas da criação
numa alucinante viagem sem destino prévio
mas com indomável vontade de se juntarem
e no fim gritar as dores de terem sido paridas.

 Lomelino, Emanuel. Poetas Que Sou. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim, 2013, p 85.
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 "  Paula  Tavares  "


Voltaram a ouvir-se os cânticos
lamentosos das mães chorosas.
Os tambores anunciam prantos
e os rostos ganham serenidade.
O uivo da noite ilumina os sentidos
e a morte já tem as mãos cheias.
O cheiro a óleo de palma permanece
e as palavras são pérolas raras.
Prepara com carinho esse funje
porque no sábado temos visitas.

 Lomelino, Emanuel. Poetas Que sou. Póvoa de Santa Iria: Lus de Marfim, 2013, p 52.
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02/03/13

"Se somente chamasses,/(...) viria alguém,/ do mais alto das ilhas, do fundo rubro do mar, "



       "   Barcarola   "


Se tocasses apenas o meu coração,
se pusesses apenas a tua boca no meu coração,
a tua fina boca, os teus dentes,
se pusesses a tua língua como flecha rubra,
ali, onde o meu coração poeirento lateja,
se soprasses no meu coração, à beira-mar, chorando,
soaria com um rumor sombrio, um rumor de rodas de comboio sonolento,
como águas vacilantes,
como o Outono nas folhas,
como sangue,
com um rumor de chamas húmidas a queimar o céu,
soando como sonhos, ou ramagens ou chuvas,
ou sereias de um porto triste,
se soprasses no meu coração, à beira-mar,
como um fantasma branco,
na orla da espuma,
na metade do vento,
como um fantasma à solta, à beira-mar, chorando.

Como uma longa ausência, como um súbito sino,
o mar reparte o rumor do coração,
chovendo, entardecendo numa praia deserta:
a noite cai sem dúvida,
e o seu lúgubre azul de estandarte em naufrágio
povoa-se de planetas de prata enrouquecida.

E o coração ressoa como um caracol amargo,
chama, oh mar, oh lamento, oh derretido susto
derramado em desgraças e ondas desatadas:
com o rumor, o mar acusa
suas sombras reclinadas, suas papoulas verdes.
Se existisses de súbito, numa praia tristíssima,
rodeada pelo dia morto,
frente a uma nova noite,
cheia de ondas,
e soprasses em meu coração de medo frio,
soprasses no sangue solitário do meu coração,
soprasses no seu movimento de pomba flamejante,
soariam suas negras sílabas de sangue,
cresceriam suas incessantes águas rubras,
e soaria, soaria a sombras,
soaria como a morte,
chamaria como um tubo cheio de vento ou pranto,
ou uma garrafa jorrando pavor aos borbotões.

Assim é, e os relâmpagos cobririam tuas tranças
e a chuva entraria por teus olhos abertos
a preparar o pranto que surdamente encerras,
e as asas negras do mar girariam em volta
de ti, com grandes garras, e grasnidos e voos.

Queres ser o fantasma que sopre, o solitário,
à beira-mar, o seu estéril, o seu triste instrumento?
Se somente chamasses,
seu prolongado som, seu maléfico silvo,
sua ordem de ondas feridas,
viria alguém talvez,
viria alguém,
do mais alto das ilhas, do fundo rubro do mar,
alguém viria, alguém viria.

Alguém viria: sopra furiosamente,
que soe como a sereia de um barco destroçado,
como um lamento,
como um relincho entre a espuma e o sangue,
como uma água feroz mordendo-se e soando.
Na estação marinha
seu caracol de sombra circula como um grito,
os pássaros do mar desprezam-no e fogem,
suas riscas de som, seus lúgubres barrotes
erguem-se à beira do oceano deserto.

   Neruda, Pablo. Antologia. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 1998, pp 93 - 97 (Selecção e Tradução de José Bento).
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" sobre la nueva casa construida: "

  "  Aquí me quedo  "

Yo no quiero la Patria dividida

ni por siete cuchillos desangrada:
quiero la luz de Chile enarbolada
sobre la nueva casa construida:

cabemos todos en la tierra mía.

Y que los que se creen prisioneros
se vayan lejos con su melodía:

siempre los ricos fueron extranjeros.
Que se vayan a Miami con sus tías!

Yo me quedo a cantar con los obreros
en esta nueva historia y geografia.

 Neruda, Pablo. Incitación al Nixonicidio y Alabanza de la Revolución Chilena. Barcelona: Ediciones Grijalbo, 1974, p 35.
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