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29/12/10

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   (não esqueça)
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não esqueço
mesmo que a palavra seca inverta
a duração lépida sílaba, adorno
para mãos ásperas desveladas
via estreita vida imóvel
livre de ondulações celeradas, palmas
não esqueço
um olhar sobre outro olhar, olhados e desfiados,
covardia aberta e sem pai, alguém morrendo mudo
se desfibra, um pai
que hesita, mas vem
despido de raízes, as mãos cortadas
mas vem, negligente e destraído
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quem
iria se lembrar?
quem poderia guardar
o vento nos cabelos?
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Não esqueço
e esse meu sonho
é quem me governa
morte e desterro
duração e desvio.
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José Rodrigo Rodriguez in "Meus Seios", Nankin Editorial, São Paulo, 2005, p 178.
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28/12/10

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  "Cidade"
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É meio dia
noite,
só vejo a falta
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azul inverno
recobre a cidade, conto
as paredes que se enovelam
desvio
o corpo da mesa
que me ataca.
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sol
aqui estão meus olhos
prontos para voltar
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a boca aberta
a copa de frutas ácidas
dentes cerrados, pés
que só querem explodir...
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pois nunca houve país algum
as cidades previstas
não se completaram
- cartas devolvidas -
o espaço entre
os caninos
corta o imenso rosário
de promessas encadeadas.
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Quero minhas palavras de volta!
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Se houvesse mesmo uma cidade,
seria este o momento
para vê-la:
estou quieto e atento
qualquer gesto lançado
fora
qualquer aceno
faria soar
esta dor que me dissimula
este instante que quero louvar
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seria este o momento certo:
visto a paisagem que me desata
como uma camisa de notas cercas
familiares, avulsas, sons
automóveis, aviões,
palavra nome, palavra chão
não tenho mais dentes para gastar.
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Tudo está quieto, mas
como um espelho límpido
que devolvesse as palavras
sem tocá-las
que espalhasse as memórias
sem revê-las
rotina de impulsos
sem mácula
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um centro único rarefeito
raios de Lua
sobre as idades
pulsar
carne turva
que me devolve
a sua metade tíbia
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olho para cima
e sonho inverso
numa cidade cerrada
- a ante-sala da vida -
osso de galinha
engasgado
na garganta.
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José Rodrigo Rodriguez in " Meus Seios", Nankin Editorial, São Paulo, 2005, pp 113 - 115.
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27/12/10


"Nada do que é humano me é estranho"
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Não é uma sensação agradável
ser habitado por mortos que não conheci
ser habitado por todos os mortos
nada do que é humano me é estranho.
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Onde faz Sol? Em que planeta?
O fio da palavra se estende
comprido
tecendo as nuvens,
árvores, alamedas
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tecendo as nuvens,
árvores e alamedas...
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Meus olhos
conforme o desejo,
riscam na pele
um beijo
ou um corte
navalha nos ares
decepando a luz
tronco, membros, claridade.
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Alguém passa, um canto,
há uma flor sobre a mureta,
um cachorro morre e crianças,
currupio de bicicletas. Amigos
que chegam, amigos que sofrem,
pastéis, sopa de letras e nachos
cada minuto, cada segundo,
nada do que é humano
me é estranho
.
nada do que é humano
me é estranho
.
nada do que é humano
me é estranho
.
nada
.
nada
.
nada
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... uma pedra pesa
e sem recompensas
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José Rodrigo Rodriguez in "Meus Seios", Nankin Editorial, São Paulo, 2005, pp 38 - 39.
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