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09/09/10


"Madrigal"
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Foi milagre? Ideia louca.
Mas que mais posso dizer
Desta profunda alegria
De ver a alma aparecer
No riso da tua boca?
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Ainda se fosse a tua,
Entendia,
Mas a minha que faz lá?
Parece um caso da lua
(Tais coisas não são de cá)
Andar-me a alma contigo:
Foi milagre. Bem o digo.
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José Saramago in "Provavelmente Alegria", Editorial Caminho, Lisboa, 1985, p 93.
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          " Noite Branca "


Sírio brilha no alto. Sobre o rio
O silêncio do fundo se difunde.
As colunas doiradas que sustentam
A terra luminosa, como estátuas sagradas,
São labaredas de água.
Duas sombras perdidas na fogueira,
Dois murmúrios de mágoa.
Esta hora é nocturna e verdadeira:
Sírio julga do alto, enquanto as sombras,
Confundidas de espanto e de miséria,
Se calam para ouvir nas águas calmas
A palavra e o canto.

José Saramago in "Provavelmente Alegria", Editorial Caminho, Lisboa, 1985, p 82.
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         " Como um vidro estalado "


Como um vidro estalado. A quem me ler
Não direi, já agora, se esta imagem
Vem serena dos ramos que perderam
As folhas contra o céu, ou se mastigo
Qualquer raiva escondida.
Como doendo, ou sendo, ou mastigando,
Sejam rendas aéreas, alma ferida,
Fecho, brusco, o poema onde não digo.

José Saramago in "Provavelmente Alegria", Editorial Caminho, Lisboa, 1985, p 62.
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18/06/10

José Saramago ( 16/11/1922 - 18/06/2010)

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Deu naquelas palavras clara mostra o arcebispo de Braga de saber que Deus e Alá é tudo o mesmo, e que remontando ao tempo em que nada e ninguém tinham nome, então não se encontrariam diferenças entre mouros e cristãos senão as que se podem encontrar entre homem e homem, cor, corpulência, fisionomia, mas o que provavelmente não terá pensado o prelado, nem tanto lho poderíamos exigir, tendo em conta o atraso intelectual e o analfabetismo generalizado daquelas épocas, é que os problemas começam quando entram em cena os intermediários de Deus, chamem-se eles Jesus ou Maomé, para não falar de profetas e anunciadores menores. Jé é muito de agradecer-lhe que vá tão fundo na via da especulação teológica um arcebispo de Braga armado e equipado para a guerra, com a sua cota de malha, o seu montante suspenso do arção da mula, o seu elmo de nasal, quiçá não lhe permitam as mesmas armas que leva chegar a conclusões de humanitária lógica, pois já então podia ver-se até que ponto os artefactos de guerra podem levar um homem a pensar diferentemente, sabemo-lo hoje muito melhor, embora ainda não o suficiente para que retiremos as armas a quem, no geral, delas se serve como único cérebro. Porém, longe de nós a intenção de ofender estes homens ainda pouco portugueses que andam a combater para criar uma pátria que lhes sirva, em campo aberto quando for necessário, pela traição quando convenha, que as pátrias foi assim que nasceram e frutificaram, sem excepção, por isso é que, tendo caído em todas, pode a nódoa passar por adorno e sinal de mútua absolvição.
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José Saramago in "História do Cerco de Lisboa", Editorial Caminho, 1989, pp 202 - 2o3.
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