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26/06/11

" quantas vezes te sei aqui e não te vejo "

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 "Poema 10"

quantas vezes me despeço de ti
sem saber

onde vais

quantas vezes me despeço de ti
sem saber a razão
sem saber de tua mão
sem saber

quantas vezes sem saber
me levanto ao bater da porta
do soalho no passo breve  curto  certo

te procuro nas gavetas
em sombras atrás dos muros
em sombras que o vento traz
com ramos a bater nas vidraças

quantas vezes te sei aqui e não te vejo

me despeço de ti
e não o quero
me despeço de ti
e não te peço

fica

para acalentar meu desassossego

  Inez Andrade Paes in "Paredes Abertas ao Céu", Edição da Autora, s/c., 2010, p 34.
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01/09/10

"Poema"
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Sabes quando choras
e o silêncio está dentro sem lágrimas?
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Sabes quando morrem as árvores
e não podes fazer nada
e não tens posse de vida porque ela não te foi dada?
A não ser que as sabias ali e as vias de mãos sempre dadas
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Sou agora assim como mutilada
de uma assombração inúmera desagregada à volta do pescoço
com duas mãos apertadas
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Sabes quando choras
entre um pecado
uma fúria de raiva que não era precisa porque o tempo
que estava
não o vias
passava sem o teres de perto
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Sou agora assim
presa com os nós dos dedos
ao chão
onde tuas astes e braços tombaram
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Sabes?
Leva-me agora
não olho para o céu
fico calada
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Inez Andrade Paes (Pré-publicação)
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21/04/10

"Voltei para curar feridas antigas e levar outras."

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A noite tombou e desta vez morcegos reais voam de palmeira para palmeira, vultos grandes, pesados têm mais sorte que as crianças da praia. De noite há sempre o que comer.
É de madrugada, fui ver e sentir o Mar. Mais vazio mas não tanto como quando era criança e podia andar até ao fundo onde não me era permitido quando o Mar enchia. Senti o macio e o escorregar do limo preso às rochas com todos os tons de verde até um que chega ao dourado, uma beleza de tapete natural que num movimento contínuo percorre as pequenas poças de água onde os peixes pequenos esperam a volta do Mar. Continuei na praia e quase ao chegar à curva da baía, vejo a casa onde brinquei...
- de lá corria para mergulhar-
... na mesma curva um amigo vinha com seu andar sem pressa. A mesma pressa que nos fez reencontrar num aperto de mão firme e largo.
- A senhora voltou, disse.
Voltei para curar feridas antigas e levar outras.
Voltei para vos ver e convosco ajudar o meu estar...
Um olhar terno mas já a sair da adolescência veio do rosto dele e percorreu o meu dedo indicando-lhe a casa onde brinquei em pequena (...).
Fizemos o resto da praia juntos até chegar a grupos grandes de homens que puxavam redes. Não me lembro nunca de ter ouvido ou visto esta forma de pescar no Wimbe. Os meus pés começaram a ser magoados por milhares de conchas partidas em pequenos pedaços.
Perguntei:
Há muito pescam assim?
Há algum tempo, senhora. É preciso trazer peixe.
O silêncio entre nós dois mergulhou no cascalho, sabendo que esta maneira de pescar não pertence ali.
Quem seria o viajante que a trouxe e sem pensar varre o fundo de um mar que não conhece?
(...)- tenho por hábito nunca apanhar conchas de nenhum Mar, se as apanho volto a deixar, para as ter basta cerrá-las na palma da mão, fechar os olhos, sorrir e voltar a pousar -
(...) Mal abro a porta, palavras em grito Macua vêm da praia apontando para mim e mostrando a outros homens que partiam para a pesca, de quem eu era. Mais uma vez a terra e a gente me mostrou que ali pertenço e malgrado os anos passados, nem nada nem ninguém me pode tirar esta identidade.
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Inez Andrade Paes in " O Mar Que Toca Em Ti", ed. autor, s/c, 2006, pp 9 - 17.
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