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01/04/11


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"As rendas" ( 1º poema do ciclo Dom São Sebastião)


Todo o meu apelo vai nas ondas
E pelas ondas vem a tua voz chamar-me
À praia do Tamariz
Se quebram leves rendas à roda do pescoço
Beijam-te o rosto de flor de lis.
É tão grande o desejo como o mar.
O Atlântico atrai para o deserto
Onde sem lápide hás de jazer reinando
Per saecula saeculorum
Sem Amen na prece a rematar.
Santo, eu, per saecula saeculorum
Ficarei rezando. Amo-te, Sebastião,
Ó flor imarcescível!
Meu cavaleiro da noite, meu lençol de esperma
Coalhado, em que estrelas choram por seres tão casto.
Olha que mais rebelde à morte, mais que tu, rei herói,
Sou eu, Sebastião, que não fui rei nem casto
Mas que sou soldado, gay e corajoso mártir.

  Maria Estela Guedes in "Geisers", incomunidade, s/c., 2009, p 15.
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" 20 de Janeiro " ( 3º poema do ciclo Dom São Sebastião )


O ronco da neblina é um aviso
De que está perto o legendário império
E que o espírito se veste de realidade
Em um futuro que é presente agora.
Porque tu és o mito lindo
O mito de que há impérios que se cumprem
Vencida a batalha de Alcácer-Quibir
Pelo meu Sebastião que é virgem.

Na penugem secreta do teu pénis
Crepitam dedos desejosos
De comer o tamariz selvagem.

Ó meu amor quieto como um ninho
Ó meu Sebastião que somos aves
Ó meu Desejado que és passarinho
Dos sonhos ateados na primavera!
Deixa-te vir louro como as brasas
Deixa-te vir moreno como abrunhos
Deixa-te vir, Graal misterioso,
Correndo como vinho no meu cálice!

Rasam as ondas procelárias
Paínhos, gaivotas, cagarras e andorinhas
E o albatroz que é rei nos ares
Se os versos sulcam água nos teus olhos
Como jóias muito raras e perdidas
Como os três reis finados no areal
Para viverem para sempre em livro!

Ó meu Sebastião dos dias 20 de janeiro,
Ó meu rei de beicinho como um Cupido,
Ó meu país que te comprazes em rezar deitado
Na ânsia de um rei da morte ressurgido
Em strip tease às portas do sacrário.

  Maria Estela Guedes in " Geisers", incomunidade, s/c., 2009, pp 16 - 18.
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