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06/01/11

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               " 5. "

"Vai pra Delfos" - um sino, um martelo, sei lá,
ou um encosto, atacava sem trégua, moía
a cabeça, e "aspirina, meu Deus, por favor
aspirina", abro o vidro vazio, fecho o vidro,
" eu tô louco", o remédio: poesia alemã;
leio enquanto dirijo - uma noz, a palavra,
alvorece, avermelha na boca da pítia,
e do invólucro duro não dá pra escapar,
nem da hepatotomia -, tá bom, tô melhor;
sempre fico melhor perto desse alemão;
chego a Delfos; inverno; bem poucos turistas;
uns ciprestes, terreno rochoso, montanhas,
cinco meias-colunas, ou seis, muita pedra
e uma imensa vontade de ter um porquê;
" o melhor, água pura, mas ouro, de noite,
como fogo fervendo arrebata, supremo... "
- bom agouro, talvez: uma águia bem longe,
uma brisa soprando o segredo que esconde.

Érico Nogueira in " Dois ", É Realizações Editora, São Paulo, 2010, p 49.
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05/01/11


                 " 20. "

Se dois (ou mais de dois) se relacionam,
daí resulta com-, ou dissonância:
as coisas que se juntam, se friccionam,
estão em qual dos pratos da balança?

O meu olho pousou em certo arbusto,
sem saber que era arbusto só de espinhos:
quase, então, se apagou, e a muito custo
descobriu outro olho no caminho.

Pólos contrários de aquoleoso ímã,
os olhos se abraçaram sem se unir,
como sons que dissoam numa rima e
não se fundem num só - um lá, um aqui.

Crânio e tórax, razão e sentimento,
buraco e o que com ele faça par,
dialogam sem trégua; num momento
há de chegar silêncio, espero. Há.

Érico Nogueira in " Dois", É Realizações Editora, São Paulo, 2010, p 42.
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11/05/09



"Poema 12 do Cancioneiro Inglês ou de Sandra Gama"


O que difere deste e do outro verso
que pus num outro jarro e esqueci
é que este não caiu no jarro certo
- jarro chinês - e não regou o lis.
As rimas não caíram como consta
que do outro jarro caem as que não quis;
tentei, em vão, reproduzir a nota,
não sei se veio sol, se lá ou si.
Alguém andava sobre o meu cavalo,
andava sem vestido e sem viseira:
de tudo quanto vi, sei que não falo;
só falo parte, o espinho da roseira,
que, sendo espinho, fere e maravilha
um cravo ignoto, o verso de outra ilha.


Érico Nogueira In "O Livro de Scardanelli",
Ed. Realizações, São Paulo, 2008, p 47.
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"Poema 10 de Cancioneiro Inglês ou de Sandra Gama"


Orelhas minhas, que joguei na água,
aonde ides para me escutar,
a que salgado, plúmbeo recital
ides nadando assim, com a minha chaga?
Orelhas, auscultai a minha draga
e me dizei como é e como está;
aquela mancha negra, a rodear,
é ave que prediz alguma praga?
" È sempre o mesmo ritmo, seco ritmo,
embalado no mar, no mar molhado,
que não acaba nunca em algoritmo,
que não compassa o que é descompassado;
é som de draga arfante, e entupida,
que traga com o entulho a própria vida."


Érico Nogueira In "O Livro de Scardanelli",
Ed. Realizações, São Paulo, 2008, p 45.
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