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11/05/13


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Alberto Eiguer, um dos grandes especialistas da perversão narcísica, fala aqui
do seu último livro sobre o tema.
(Nota - apesar de ser patologia da qual não sofro, interessa-me, contudo, bastante
o seu estudo já que conheci muita gente que navegava nestas águas!)
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04/03/12

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O psicopata (...) O que o caracteriza é a passagem ao acto impulsiva, que não seguida de sentimento de falta, frequentemente como resposta a uma insatisfação mal tolerada. O seu domínio preferido é a acção em detrimento do afecto e do pensamento, que estão empobrecidos. De cada vez, o acto reproduz as mesmas características: é súbito, brutal, acompanhado de gritos e de outras violências. É pouca a distância entre a pulsão e a sua expressão comportamental, na ausência de verbalização e simbolização suficientes para permitir a sua elaboração. Com efeito, o psicopata procura livrar-se de uma tensão interna que o persegue desde a infância, e encontra na motricidade uma descarga imediata possível(...) Se se sente rejeitado, pode encontrar aí o meio de suscitar uma reacção social e fazer com que se ocupem dele (...)
Não é raro a infância precoce dos psicopatas ter sido marcada por abandonos e carências graves. A criança foi levada a exprimir-se com violência para se fazer ouvir por aqueles que cuidaram dela.
(...) Todavia, a avidez afectiva do psicopata só se traduz em pedido de amor de forma inadequada. Ele não procura aproximar-se dos outros para tirar prazer de um contacto caloroso. As suas relações sociais permanecem superficiais, e ele pouco se implica. Tem o hábito de abandonar facilmente as suas relações sem pena aparente.
(...) No psicopata, a sociabilidade sincrética e a sociabilidade por interacção são muito limitadas. A adesão às relações íntimas é por isso difícil (...) O seu espírito é animado por sentimentos de inveja e um forte rancor. Tem com frequência a impressão de que o privaram de qualquer coisa, o que coincide com a realidade. Esta reivindicação é tanto mais profunda quanto ela é não consolável. Nenhuma "reparação" surgida depois poderá compensar os estragos sofridos durante a primeira infância. É a privação de base, sublinhada por Winnicott.
Se o psicopata não consegue sentir-se culpado das suas exacções, é porque nunca se sentiu implicado numa ligação "responsável" face a um outro ou a si mesmo. A ausência de uma ligação materna fiável e durável acabou por fazer diluir nele, e depois desaparecer, a "pulsão primária de amor", observa Winnicott. "Para ser alguém é preciso ser amado", acrescenta ele.
(...) Estas observações aplicam-se igualmente aos psicopatas que vivem e agem como comandados por um relógio. Estes delinquentes organizam o seu delito de forma muito precisa e com sangue-frio como se estivessem debaixo de intensa coacção interna. A sua moral é formal e não é marcada pela reflexão, mas apenas por imperativos de obediência e de tranquilização destinados à sua salvaguarda (...) teme o aborrecimento, a monotonia, que o confrontam talvez com uma angústia insustentável. Por outro lado, o tédio abre o acesso patológico e fecha-o ao mesmo tempo. Porquê? A frustração e a impossibilidade de experimentar tristeza, sentidas como um verdadeiro estrago, conduzem o sujeito à busca de aventuras, para se sacudir...
O tratamento recebeu um novo alento a partir da altura em que a Justiça começou a colaborar com os psicólogos e os psiquiatras (...) Foram levadas a cabo terapias individuais e familiares destinadas a adolescentes com dificuldades, a delinquentes potenciais ou condenados (...) o paciente aceita o tratamento unicamente porque este foi prescrito por um juiz e ele espera assim obter uma comutação da pena. Mas mesmo assim é possível encarar um verdadeiro trabalho dirigido ao inconsciente, e vir a instalar-se uma confiança autêntica entre psicopata e terapeuta (...) Um longo período de provas precede o verdadeiro trabalho. Estes pacientes são sensíveis às ambiguidades, ao excesso de sedução, às aitudes esperadas. É pois necessário evitar entrar em considerações pedagógicas, já que o paciente se considera vítima duma injustiça que espera uma "reparação".
Daí que tenhamos de nos prevenir, na terapia, contra atitudes demasiado reparadoras, que não fariam mais do que ferir o paciente(...) É muito mais importante escutar o paciente, aprender a sua angústia, do que "pretender corrigir" um passado de carâncias. O que, de resto, é válido em relação a qualquer paciente.

 Eiguer, Alberto. Pequeno Tratados das Perversões Morais. Lisboa: CLIMEPSI Editores, 1999, PP 79-95.
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01/03/12

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  " O FALSO-SELF ou como passar ao lado da vida "

O falso-self seria uma estrutura aparentada aos estados-limite, entre a neurose e a psicose, a menos grave de todas e a mais próxima da neurose, que se refere, aliás, à relação com o mundo, de maneira geral. Para ser amado, será necessário "vender" a alma?
A dificuldade em tratar estes casos coloca questões específicas. São pacientes que parecem estar bem e que respondem à expectativa do analista, ao parecerem flexíveis e adaptáveis; aceitam as interpretações, fazem-nas funcionar neles e fazem associações articuladas que parecem confirmar as interpretações. No entanto, em profundidade, nada se modifica. Não há aprendizagem autêntica.
O problema complica-se porque o analista, habituado às resistências que os outros pacientes oferecem à tomada de consciência, arrisca-se a acrediar que tal paciente vai bem. Pode mesmo chegar a considerar a cura terminada e a separar-se dele (...)
Embora possamos encontrar falsos-self em todos os meios, entre os intelectuais e os artistas são mais numerosos. Com efeito, estes possuem rudimentos culturais que sabem fazer valer. Podemos, todavia, perguntarmo-nos se a nossa "sociedade espectáculo", que valoriza a mediatização, o reconhecimento e a avaliação públicos, não favorece este tipo de desvio psicológico (...). Não será que, nos nossos dias, a verdade é aquilo que a maioria pensa?
(...) O mundano, o dândi, o snob, assim como o frívolo, ou mesmo a star são semelhantes no sentido de manterem uma ligação especular: os olhos dos outros reflectem-lhes, como um espelho, aquilo que desejariam ser. A imagem no espelho parece mesmo mais importante do que a maneira como o indivíduo se considera. Narciso reconhece-se numa nascente de água pura, que foi procurar para acalmar a sua sede. Ora, o amor por si, que faz nascer esse instante de autocontemplação, condu-lo à inanição. Não querendo turvar a sua imagem, não consegue decidir-se a beber daquela água.
Personagem garrida, o mundano apercebe-se perfeitamente do que os outros pensam, fazem e dizem. Admira as pessoas célebres e de condição superior; um pouco como o fetichista, é atraído pelo à-vontade social, por todos aqueles que parecem não ter sofrido castração. As suas maneiras são civilizadas(...) De facto, os mundanos são, ao mesmo tempo, exibicionistas - gostam de se mostrar em todo o lado - e voyeuristas - não participam do mundo, vigiam-no. Isto traduz um combate entre uma angústia existencial e um insuportável sentimento de solidão. Ao mesmo tempo, conservam uma admiração sem mácula pelas mães, mulheres "maravilhosas", "dignas", "eficazes", e dissimulam no seu discurso o lado desagradável ou trágico das coisas.
(...) O mundano perscruta o seu mundo para saber se este o olha. Idolatra-o, na condição de, em troca, ser também, idolatrado. Porém, se o mundo lhe vira as costas, o mundano gritará de dor e a mascará cairá, para deixar aparecer o vazio..
O dândi veste-se de forma estudada, enquanto o snob imita, sem discernimento, os gostos e as maneiras das pessoas "distintas". De origem modesta, deixa por vezes transparecer maneiras simples, até mesmo vulgares. Em resumo, o lado exibicionista, sobranceiro e inadaptado, encontra-se presente tanto no mundano como no dândi (...).
Para concluir, sublinhemos o parentesco entre mundanidade e perversão moral. Os aspectos exibicionista, voyeurista e fetichista confirmá-lo-iam (...) E talvez também na grande solidão: embora desejando ardentemente uma inserção social confirmada, o falso-self, o mundano e o dândi nem por isso deixam de ser grandes solitários.

  Alberto Eiguer in " Pequeno Tratado das Perversões Morais ", CLIMEPSI Editores, Lisboa, 1999, pp 23 - 33.
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29/02/12

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Ao contrário dos perversos sexuais, nos quais o desvio é limitado à esfera sexual, os perversos morais são perturbados em múltiplos aspectos da sua vida psíquica, quer relacional quer afectiva quer mesmo intelectual. Caracterizam-se pela maldade, pela ausência de sentido moral, pela aptidão para as relações sociais - que ajuda à manipulação e mesmo à subordinação dos outros -, pela tendência e facilidade em mascarar as suas intenções, em guardar segredo. Embora pareçam, muitas vezes, frios e calculistas, não estão menos à mercê de tormentos, e é precisamente para se libertarem deles que se entregam a excessos. Portanto, as suas proezas proporcionam-lhes uma intensa satisfação e, por vezes, um sentimento de triunfo que chega a ir até à exaltação e ao júbilo (...).
Outro traço característico dos perversos morais é a sua capacidade de argumentar, de encontrar uma boa razão para justificar os seus delitos. Se o jogador arrisca somas avultadas, é porque quer "saldar as suas numerosas dívidas". Se o perverso-narcísico utiliza o outro, é porque teria "teria muito a ensinar-lhe"... A defesa: racionalizar, justificar-se. A ofensiva: o desejo de convencer, de arregimentar.
Nas relações sociais do perverso de carácter, a dominação e a influência ocupam um lugar privilegiado. Ele manobra habilmente para submeter o outro a pouco e pouco. Animada pelo ódio, a sua vontade procura apagar aquilo que o outro tem de singular. (...) Quanto ao perverso-narcísico, ao jogar com a necessidade de afirmação de si, deseja alterar o valor do amor-próprio do outro. Daí que estabelecer relações íntimas com um perverso e ligar-se a ele é pura perda. Quem o faz nunca sai incólume...
A caminho, pois. A visita à minha pequena "galeria de monstos" começa ...

  Alberto Eiguer in "Pequeno Tratado das Perversões Morias", CLIMEPSI Editores, Lisboa, 1999, pp X - XI.
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