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"Irmão"
O mar de inverno destrói a percepção e comunga com as
nuvens numa gramática extrema. Um homem cuja subs-
tância humana se irreconhece persiste no seu jogo de cir-
cunstância. Quando me retiro, a opacidade deste irmão
de desígnios por decifrar (ah, a ímpia intenção em deci-
frá-los!) retira-se também, e na minha ausência - na sua
ausência - o mundo define-se , sem que eu ou ele
( ambos ausentes do filme da tarde) sejamos capazes de
definição.
Luís Quintais In "Duelo ", Edições Cotovia, Lisboa, 2004, p 72.
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06/11/09
"sob a luz recíproca, como se pudéssemos"
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" O sonho de Santa Úrsula"
(Carpaccio)
Disse-te que não seria capaz de escrever
um poema de amor.
Como representar a luz quando essa luz
é o véu que recobre o sonho de outrém?
Assim é aquilo que a palavra amor diz,
aponta, descreve em seu secreto centro.
Íntimo lugar onde um anjo se abeira
da tua morte, da minha morte, e nos enlaça
sob a luz recíproca, como se pudéssemos
sonhar, ambos, o mesmo sonho, a mesma dor,
o mesmo movimento, lento e obscuro,
de um deus frágil e atento.
Seríamos o imaginado centro
desta sala, deste limiar, deste medo
que o anjo diz sem dizer, que o anjo
persegue sem sinal de perseguição sequer.
Algo se diz, inapelável, atrás
do umbral que não vemos.
Luís Quintais In "Duelo", Edições Cotovia, Lisboa, 2004, p 32.
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" O sonho de Santa Úrsula"
(Carpaccio)
Disse-te que não seria capaz de escrever
um poema de amor.
Como representar a luz quando essa luz
é o véu que recobre o sonho de outrém?
Assim é aquilo que a palavra amor diz,
aponta, descreve em seu secreto centro.
Íntimo lugar onde um anjo se abeira
da tua morte, da minha morte, e nos enlaça
sob a luz recíproca, como se pudéssemos
sonhar, ambos, o mesmo sonho, a mesma dor,
o mesmo movimento, lento e obscuro,
de um deus frágil e atento.
Seríamos o imaginado centro
desta sala, deste limiar, deste medo
que o anjo diz sem dizer, que o anjo
persegue sem sinal de perseguição sequer.
Algo se diz, inapelável, atrás
do umbral que não vemos.
Luís Quintais In "Duelo", Edições Cotovia, Lisboa, 2004, p 32.
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22/11/08

" Nocturno de verão"
Havia o verão, o medo de um círculo
fechando-se em torno de nós.
Cada sentimento era somente
a pobre descrição de uma
imagem. Descia a luz sobre nós,
e em nós se repetia o rumor das cicadas,
o milagre das casas muradas
a toda a possibilidade delinquente.
"Não persigas o limite", disse-te.
"Qual o lado interior da fronteira,
este em que segues, ou o que nos
espera do outro lado? Do interior
virá o erro e o precipício: portões
electrificados e, sem que dês conta,
cães farejando a má-sorte de incautos."
Havia o verão e as cicadas e o perigo
de nos perdermos numa cidade hostil.
Luís Quintais, In "Angst", Edições Cotovia,
Lisboa, 2002, p 48.
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