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07/05/13

 
 
Quem poderia reconhecer
depois de tão longa espera
a esteira viva de uma estrela
que se apagou num frémito obscuro
que ritmou as palavras esparsas?
 
Ei-la aqui viva e já morta
a estrela de um gesto de amor
que seria eu sem ti viva ou morta?
 
Eu quero guardá-la na minha boca
como a serpente guarda o veneno
para o gérmen que anuncia o mundo
 
 
  Rosa, António Ramos. Numa folha, leve e livre. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim Editora, 2013, p 25.
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O meu corpo espera
banhar-se
numa água transparente
a que germina aqui

Avanço com o meu nome
até ao muro
poderei libertar-me
das imagens?

Se escrevo
é para entrar no claro círculo do dia
e ser uma pedra que respira
um núcleo branco


    Rosa, António Ramos. Numa folha, leve e livre. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim Editora, 2013, p 22.
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17/10/09

São figuras reais? Penso que não
e serão talvez um reflexo de seres que eu conheci
Mas tal como as vejo têm uma presença profunda
algumas de uma beleza fulgurante
mas discreta
na trémula penumbra ou aura que as envolve
Não sei se sou eu que as suscito
ou convoco
mas a sua aparição é como um botão que rapidamente desabrocha
e eu apenas posso tentar mudar a imagem
para que outra lhe suceda ou fixá-la para que mais nenhum se lhe siga

Quer sejam figuras de mortos ou de vivos
quer sejam imagens do meu desejo ou do meu tremor
elas possuem um ritmo fremente
na iluminação dos rostos
e no silêncio de secreta tranquilidade

Não posso recusá-las
Aceito-as
mas não sei o que significam
embora talvez o seu secreto sentido
seja uma relação entre a beleza e a morte
ou talvez nada mais
que o fulgor esparso de tantas figuras
que por acaso ou não eu encontrei
mas não sei explicar a profunda beleza
de alguns destes rostos
que me fixam e para quem eu não sei quem sou

Nós não andamos à volta de um mistério
Não perdemos tempo com o que irreparavelmente se esconde
ou não se esconde
mas é a nulidade de ser como se fosse
Nós queremos estender o braço para um rosto
que não está formado
e é tão aéreo
como três ramos de árvore

Esse rosto é o alvo da mão nua
mas é ela que deslizando nas linhas do ar
o delineia primeiro como uma folha
depois como o peito de um pássaro
e finalmente como uma pluma de fogo e outra de água

Está finalmente aceso
com a delicadeza
da água
com a lascívia
do fogo
e não te vendo ainda
é a evidência discreta
sobre a pedra

António Ramos Rosa In "Deambulações Oblíquas", Quetzal Editores,
Lisboa, 2001, pp 46 - 47.
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06/11/08

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a Victor Oliveira Mateus
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Não sei se me perdi
ou sempre estive perdido
se estive perdido sempre
nunca me perdi
Mas que diferença existe
em estar perdido
ou não?
Sabemos acaso o que é estar perdido
ou não estar?
De qualquer modo a poesia
é uma forma de nos perdermos
sem nos perdermos
Se é tudo perda não há encontro
ou só existe o encontro na perda
inseparavelmente
Não se pode determinar nada
porque o fundo de tudo é indeterminado
e a evidência de tudo o que vemos
é inexplicável

António Ramos Rosa, In " O sol é todo o espaço",
Editorial Escritor, Lisboa, 2002, p 57.
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09/04/08

Poetas

António Ramos Rosa, na Biblioteca Municipal D.Dinis (2007)

Celebração de um corpo


Quantos prodígios exactos nesse corpo
de simetrias ardentes, de redondas geometrias!
Lavrado pelo vento, modelado pelo fogo,
polido pela água, de incandescentes cimos,
de espumantes funduras sequiosas!
Dir-se-ia um ramo do esplendor o torso oblíquo
onde dois pequenos e redondos seios latejam.
Dir-se-ia um navio pela alta simetria
das suas pernas brancas. E que dizer do rosto?
Talvez três palavras: estrela, alma água.
Como o discurso da água é o ventre liso,
e o umbigo uma côncava conchinha preciosa.
No seu pequeno púbis a penugem é doirada
e leve, de um veludo quase azul.
Redondos e brancos como luas os joelhos,
e os delicados pés, amorosamente exactos,
quase minúsculos, mas sólidos e terrestres.
O vigor e a graça unem-se nesse corpo
sumptuoso e frágil, vegetal e límpido.
Que fulgurantes maravilhas, que jóias tão sedosas!
No amplexo o dorso é espesso como um barco
e as nádegas, quase opulentas, são redondas dunas
de uma flexível argila plenamente solar.
Que tesouros tão fluídos e que energia tão tensa,
que relâmpagos fulgurantes, que flores tão sólidas!

António Ramos Rosa, In "A Rosa Intacta"