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27/07/11

   " À espera"


Coleciono perdidos. Tudo serve
aos meus achaques. O uniforme azul,
o beijo partido, a luxúria sem asas,
a menininha de tranças,
o amor/ suspiro na fonte, o punhal turco,
os pombos degolados no fundo do sono,
o tempo repartido em dois:
ontem, Chimène a caminho do pranto,
agora, os netos de Chimène,
a não apagada
pelo mata-borrão (havia lágrimas).
Tudo serve.

A esfinge na febre,
quero decifrá-la; tenho dois corações
num saco de plástico, à discrição do amor,
para o nosso próximo encontro.
Espero-vos, Senhora, de preto,
numa rua de Fez.

  Guilhermino Cesar in "Sistema do Imperfeito & Outros Poemas", Editora Globo,
Porto Alegre, 1977, p 70.
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26/07/11

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 " Retrato fingido "


Esse poeta é um fingidor
finge tão safadamente
que chega a ser furta-cor
para ficar coerente.

E como a roda da vida
não desenrola ninguém
o poeta continua ausente
da vida que ele não tem.

  Guilhermino Cesar in "Sistema do Imperfeito & Outros Poemas", Editora Globo,
Porto Alegre, 1977, p 147.
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25/07/11

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"Seiscentos urubus e uma asa branca"



Seiscentos urubus, ora essa, um espetáculo
real. Os reis amam a tragédia.
Seiscentos urubus e uma asa branca,
corrijo a tempo. Asa branca é contraste
num tamanho cortejo de negrume ideal. Os reis
gostam de brincar nas alturas;
o difícil, naturalmente, não é para nós outros,
peões, salário-mínimo, lixo, estrume dos edifícios.
Seiscentos urubus, uma carga de horrores
a exigir um panfleto.
Mas aparece uma asa, apenas uma
asa branca, e o negrume acabou-se.

  Guilhermino Cesar in "Sistema do Imperfeito & Outros Poemas", Editora Globo,
Porto Alegre, 1977, p 161.
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