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29/12/12



         " Ulysses "


E ele e os outros me vêem.
Quem escolheu este rosto para mim?

Empate outra vez. Ele teme o pontiagudo
estilete da minha arte tanto quanto
eu temo o dele.

Segredos cansados de sua tirania
tiranos que desejam ser destronados

Segredos, silenciosos, de pedra,
sentados nos palácios escuros
de nossos dois corações:
segredos cansados de sua tirania:
tiranos que desejam ser destronados.

o mesmo quarto e a mesma hora

toca um tango
uma formiga na pele
da barriga,
rápida e ruiva,

Uma sentinela: ilha de terrível sede.
Conchas humanas.

Estas areias pesadas são linguagem.

Qual a palavra que
todos os homens sabem?

   César, Ana Cristina. Um Beijo que Tivesse um Blue: Antologia Poética. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2005, p 85.
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28/12/12


Opto pelo olhar estetizante, com epígrafe de mulher moderna
desconhecida. (" Não estou conseguindo explicar minha ternura,
minha ternura, entende?") Não sou rato de biblioteca, não
entendo quase aquele museu da praça, não tenho embalo de
produção, não nasci para cigana, e também tenho o chamado
olho com pecados. Nem aqui? Recito WW pra você:
"Amor, isto não é um livro, sou eu, sou eu que você segura e
sou eu que te seguro (é de noite? estivemos juntos e sozinhos?),
caio das páginas nos teus braços, teus dedos me entorpecem,
teu hálito, teu pulso, mergulho dos pés à cabeça, delícia, e
chega -
Chega de saudade, segredo, impromptu, chega de presente
deslizando, chega de passado em videoteipe impossivelmente
veloz, repeat, repeat. Toma este beijo só para você e não me
esquece mais. Trabalhei o dia inteiro e agora me retiro, agora
repouso minhas cartas e traduções de muitas origens, me
espera uma esfera mais real que a sonhada, mais direta, dardos
e raios à minha volta, Adeus!
Lembra minhas palavras uma a uma. Eu poderei voltar. Te amo,
e parto, eu incorpóreo, triunfante, morto".


  César, Ana Cristina. Um Beijo que Tivesse um Blue: Antologia Poética. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2005, p 77.
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13/12/12



  " Arte-manhas de um gasto gato "


Não sei desenhar gato.
Não sei escrever o gato.
Não sei gatografia
      nem a linguagem felina das suas artimanhas
Nem as artimanhas felinas da sua não linguagem
Nem o que o dito gato pensa do hipopótamo ( não o de Eliot)
Eliot e os gatos de Eliot (" Practical Cats" )
Os que não sei
e nunca escreverei na tua cama.
O hipopótamo e suas hipopotas ameaçam gato (que não é hipogato)
Antes hiponímico.
Coisa com peso e forma do peso
e o nome do gato?
J. Alfred Prufrock? J. Pinto Fernandes?
o nome do gato é nome de estação de trem
o inverno dentro dos bares
a necessidade quente de tê-lo
onde vamos diariamente fingindo nomear
eu - o gato - e a grafia de minhas garras:
toma: lê o que escrevo em teu rosto
lê o que rasgo - e tomo - de teu rosto
a parte que em ti é minha - é gato
leio onde te tenho gato
e a gatografia que nunca sei
aprendi na marca no meu rosto
aprendi nas garras que tomei
e me tornei parte e tua - gata - a
saltar sobre montanhas como um gato
e deixar arco-irisado esse meu salto
saltar nem ao menos sabendo que desenho
e escrita esperam gato
saltar felinamente sobre o nome de gato
ameaçado
ameaçado o nome de G A T O
ameaçado o nome de G A S T O
ameaçado de morrer na gastura de meu nome
repito e me auto-ameaço:
não sei desenhar gato
não sei escrever gato
não sei gatografia
                    nem...

  César, Ana Cristina. Um Beijo que Tivesse um Blue: Antologia Poética. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2005, pp 35 - 36.
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