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30/01/13



                    " (Parte final da) Carta 4 De Hipérion para Belarmino  "


   Depois o antigo deus do Sol ergueu-se na sua eterna juventude, satisfeito e sem esforço como sempre, e o imortal Titã voou para o alto com as suas próprias inúmeras alegrias e sorria para baixo, para a sua terra deserta, para os seus templos, as suas colunas, que o destino tinha derrubado diante dos seus olhos, como as folhas secas de roseira, que uma criança ao passar irreflectidamente arrancou e espalhou pela terra.
   Sê como este! Disse-me Ádamas, agarrou-me na mão e apontou-ma na direcção do deus, e para mim era como se os ventos matinais nos levassem para longe, fazendo-nos chegar até ao séquito desse ser sagrado, que agora subia aos cumes do Céu, amável e grandioso, e nos enchia maravilhosamente, a nós e ao mundo, com a sua força e o seu espírito.
   O meu ser mais íntimo ainda se alegra e se entristece, com cada palavra que Ádamas então me dirigiu, e não entendo a minha indigência, quando tantas vezes me sinto como ele nessa altura era forçado a sentir-se. O que significa a perda, quando o homem assim se encontra no seu próprio mundo? Em nós está tudo. Que importa ao homem então que um cabelo caia da cabeça? Porque procura ele a servidão, quando poderia ser um deus? Sentirás a solidão, meu amado! também me dizia então Ádamas, serás como o grou, que os seus irmãos deixam para trás na estação rigorosa, enquanto procuram a Primavera em terras longínquas.
   E é isto, meu caro! É isto que nos torna pobres no meio das riquezas: por não podermos estar sós, por o amor não morrer em nós enquanto vivermos. Dá-me de novo o meu Ádamas e vem com todos os que me pertencem, para que o antigo mundo belo entre nós se renove, para que nos reunamos e unamos nos braços da nossa divindade, da Natureza, e, olha! assim não sei o que é a indigência.
   Mas não diga ninguém que o destino nos separa! Somos nós, nós! Nós é que nos comprazemos em lançarmo-nos na noite do desconhecido, na fria estranheza de um qualquer outro mundo e, se possível fosse, deixaríamos a região do Sol para ultrapassar as fronteiras do planeta. Ai! para o peito indómito do homem não é possível ter uma pátria; e tal como o raio de sol, que faz crescer as plantas da terra, de novo as cresta, assim o homem mata as doces flores  nascidas no seu peito, as alegrias da afinidade e do amor.
   Parece que fiquei enfurecido por o meu Ádamas me ter deixado, mas não lhe guardo rancor. Oh, ele até queria voltar!
   Dizem que nas profundezas da Ásia existe, oculto, um povo de rara perfeição. Nessa direcção o impeliu a sua esperança.
   Acompanhei-o até Ios. Foram dias amargos. Aprendi a suportar a dor, mas para tal separação não existiam em mim as forças necessárias.
   A cada momento que nos aproximava da hora derradeira, tornava-se cada vez mais evidente quanto este homem estava no tecido do meu ser. Tal como um moribundo retém a respiração que se escapa, assim eu o retinha.
   Junto ao túmulo de Homero passámos ainda alguns dias, e Ios passou a ser para mim a mais sagrada de entre as ilhas.
   Por fim, apartámo-nos. O meu coração estava cansado de lutar. No momento derradeiro já estava calmo. Estava diante dele de joelhos, abracei-o com estes braços pela última vez. Dá-me a tua benção, ó meu pai! disse baixinho, erguendo para ele o olhar e nele se rasgou um sorriso e a sua fronte distindeu-se perante as estrelas matinais e o seu olhar penetrou os espaços celestes. - Guardai-mo, exclamou ele, ó espíritos de um tempo melhor! e elevai-o até à vossa imortalidade e que vós, todas as forças amáveis do Céu e da Terra, sejais com ele!
   Há um deus em nós, acrescentou ele com mais serenidade, que dirige como as águas correntes, o destino, e todas as coisas são o seu elemento. Que seja ele, mais do que tudo, a estar contigo!
   Assim nos separámos. Adeus, meu Belarmino!
 
 
     Holderlin, Friedrich. Hipérion ou o Eremita da Grécia. Lisboa: Assírio & Alvim, 1997, pp 31 - 33.
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29/01/13

 
            #  539.  Holderlin
  
 
    Uma das mais significativas personalidades do romantismo literário é o poeta Friedrich Holderlin (1770-1843), que foi amigo de Schelling e de Hegel e admirador de Fichte. O seu romance Hiperion no qual exprime os seus ideais e as suas convicções filosóficas, é a história de um Grego moderno, que vive o sonho da infinita beleza e perfeição da Grécia Antiga. Encontra essa beleza encarnada na pessoa de uma jovem de quem se enamora, Diotima; e abandona Diotima para traduzir na realidade o seu ideal de perfeição espiritual e decide-se a combater para reconduzir a sua pátria a esse mesmo ideal. Mas só encontra imperfeições e desilusão; renuncia então à sua amada, retira-se para a solidão, alimenta-se do seu sonho e acaba por gozar e exaltar a sua própria dor. No seu enredo, o Hiperion contém todos os traços da concepção romântica. Mas a obra está disseminada de considerações filosóficas que revelam claramente a influência de Fichte e Schelling. O ideal helenizante de Hiperion é na verdade o ideal romântico. "Ser uno com o todo, esta é a vida dos deuses, e o céu do homem! Ser um com tudo o que vive, voltar através de um sagrado esquecimento de si próprio, ao todo da natureza, tal é o vértice dos pensamentos e das alegrias, tal é o cume sagrado da Montanha, a sede da eterna quietude".  Este todo, que é uno, é o infinito que vive e se revela no homem. Mas o homem não pode alcançá-lo apenas com o pensamento e a razão. "O homem é um Deus quando sonha, um mendigo quando pensa", diz Holderlin. Só a beleza lhe revela o infinito; e a primeira filha da beleza é a arte, a segunda filha é a religião, que é o amor da beleza. A filosofia nasce da poesia porque só através da beleza está em relação com o Uno infinito. "A poesia é o princípio e o fim da filosofia. Assim como Minerva surge da cabeça de Júpiter, também a filosofia surge da poesia de um ser infinito, divino". "Do simples intelecto não nasce nenhuma filosofia porque a filosofia é mais do que o não limitado conhecimento do contingente. Da simples razão não nasce nenhuma filosofia, porque a filosofia é mais do que a exigência cega de um infinito progresso na síntese ou na análise de uma dada matéria." Nestas palavras o princípio do infinito de Fichte encontra já a sua crítica e a sua correcção romântica. E em Holderlin se encontra também a outra característica do espírito romântico: a exaltação da dor. "Não deve tudo sofrer? Quanto mais elevado é o ser maior o sofrimento. Não sofre a sagrada natureza?... A vontade que não sofre é sono, e sem morte não há vida". Hiperion acaba por exaltar a sua própria dor: "Ó alma, beleza do mundo, indestrutível, enfeitiçante! Com a tua eterna juventude existes; mas o que é a morte e toda a dor do homem? Muitas palavras vãs fizeram os homens estranhos. Tudo nasce portanto da alegria e tudo termina na paz". Esta conciliação do mundo que Hegel consegue através da dialéctica da ideia, consegue-a Holderlin com o sentimento da beleza infinita.
 
 
 Abbagnano, Nicola. História da Filosofia, Volume VIII. Lisboa: Editorial Presença, 1970, pp 247 - 248 (Tradução de António Ramos Rosa e António Borges Coelho).
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