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25/07/12


serei breve: e é simples
o que tenho para dizer.

não tarda, os nós dos dedos
vão pingar do retrovisor,
e é comovente como arde
o lume sob a solidão.
eis-me aqui, sem fuga

possível, ansiosamente
antecipando a hora em
que não terei mais rosto,
daqueles que se acham
no espelho.

citas célebres filósofos,
mas não tens qualquer
vocação para a vida.
quando se esgota o dizer
abandonado pela mão em flor,

és avulso: e nem sequer
tinhas um plano para me
salvar, os lábios anódinos
deitados fora, reverberando
muito baixinho por entre as

frinchas sujas do cinema.
de súbito ilumina-se
a púrpura vez em que
me converti: dizes-me
que há talvez o agora da

eternidade nos teus olhos,
mas eu não acredito e, por isso,
vasculho em versos alheios
um fio de luz; vou, vem comigo,
aprender como se trocam as estações

talvez a morte, de ardor em ardor,
te possa tocar de mansinho,
ao mesmo tempo que nos ombros
cintila uma borboleta sem esplendor
despede-te do sol e promete-te

que, no fim de contas, virá
um segredo por enumerar

e é tudo

   Soeiro, Ricardo Gil. Espera Vigilante. Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, 2011, pp 58 - 59.


05/09/11


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 " Poema 26 do capítulo Caligraphias "


hoje seremos outros ao acordar:
da janela aberta, orquestrando nevoeiros,
escutaremos o sibilar insuspeito da penumbra
a inquietude do acorde menor
escreverá a letras de fogo a solidão das asas.

dormes um pouco mais:
um gotejar de vazio convence-te a ficar
mas nada explica esta demora
o corpo terno hibernando de mansinho
dando um indefeso descanso à sombra diligente

lá fora o dia acossado pelo medo à mercê das
luzes estridentes
e aqui a tua pele espreguiça quente, beijando os
lençóis descartáveis
enquanto os músculos se rendem a este crime
perfeito perpetrado
a bandeira a meia-haste no palácio do sono
protege o casulo transparente em que habitas
por agora

sem arrependimentos,
perdemos a tinta fresca do café,
as fotografias anónimas no túnel do marquês
e o paciente virar dos placares publicitários
amanhã vou entregar-me à deriva

deixarei de ser bicho-de-conta sem pressa
e procurarei abrigo nas paragens de autocarro

Ricardo Gil Soeiro in " Caligraphia do Espanto ", Edições Húmus, Ribeirão, 2010, p 40.
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04/09/11


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" Poema 42 do capítulo Caligraphias "


a conta gotas,
sou eu quem ama a suave melancolia ( sforzando ).

é possível que nos possamos encontrar uma nova
vez,
as palavras têm uma paciência infinita.

 Ricardo Gil Soeiro in " Caligraphia do Espanto ", Edições Húmus, Ribeirão, 2010, p 56.
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