25/07/12


serei breve: e é simples
o que tenho para dizer.

não tarda, os nós dos dedos
vão pingar do retrovisor,
e é comovente como arde
o lume sob a solidão.
eis-me aqui, sem fuga

possível, ansiosamente
antecipando a hora em
que não terei mais rosto,
daqueles que se acham
no espelho.

citas célebres filósofos,
mas não tens qualquer
vocação para a vida.
quando se esgota o dizer
abandonado pela mão em flor,

és avulso: e nem sequer
tinhas um plano para me
salvar, os lábios anódinos
deitados fora, reverberando
muito baixinho por entre as

frinchas sujas do cinema.
de súbito ilumina-se
a púrpura vez em que
me converti: dizes-me
que há talvez o agora da

eternidade nos teus olhos,
mas eu não acredito e, por isso,
vasculho em versos alheios
um fio de luz; vou, vem comigo,
aprender como se trocam as estações

talvez a morte, de ardor em ardor,
te possa tocar de mansinho,
ao mesmo tempo que nos ombros
cintila uma borboleta sem esplendor
despede-te do sol e promete-te

que, no fim de contas, virá
um segredo por enumerar

e é tudo

   Soeiro, Ricardo Gil. Espera Vigilante. Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, 2011, pp 58 - 59.